TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

497 ACÓRDÃO N.º 134/10 entender a razão pela qual o legislador, revogando expressamente vários preceitos de um dado diploma legal, omitiria a referência a outros que igualmente queria revogar do mesmo diploma, versando sobre aspectos autónomos, e que só poderiam ser considerados ao abrigo da forma genérica do mesmo artigo 19.º que con- sidera revogadas “as demais disposições legais que contrariem o disposto no presente diploma”. Ainda no plano do argumento literal e sistemático de interpretação pode invocar-se a circunstância de o n.º 6 do artigo 11.º da Lei n.º 48/99 continuar a estabelecer, como estabelecia o n.º 3 do artigo 10.º da Lei n.º 142/85, que a transmissão dos bens, universalidades, direitos e obrigações se efectua por força da lei, não se vendo que outra lei possa essa ser se não a que cria o município, porque esse efeito legal supõe uma suficienteindividualização dos bens e direitos transmitidos, que só essa, e não outra que se limite a estabelecercritérios gerais e abstractos, pode conter. De modo que se impõe uma compatibilização entre o que o novo regime de instalação dispõe sobre a transferência de responsabilidades e encargos, que parece dispensar uma opção primária do legislador expressa no acto de criação do município, e as exigências da Lei Quadro quanto a que esse acto especifique os critérios de transferência de direitos obrigações e responsabilidades. A criação de um município é um acto de opção política (de volição política primária) expressa mediante acto legislativo. Como pessoa colectiva de população e território, há elementos que não podem deixar de estar contidos na lei de criação de cada município, como é o caso da delimitação da área que abrange e a indi- cação da respectiva denominação e sede, bem como da circunscrição supra-municipal em que se integre,pelo que não é concebível a sua relegação para outra entidade ou outro momento. Estes são elementos mínimos de identificação do novo ente autárquico ou da nova circunscrição administrativa sem os quais o acto de instituição dificilmente teria objecto inteligível. Mas, embora não se impondo com a mesma evidência como conteúdo necessário do acto de instituição de nova autarquia, os elementos agora em consideração são também essenciais para que a finalidade da lei de enquadramento se cumpra. Obrigando a lei de enquadramento, por um lado, a que a instituição de cada nova autarquia satisfaça parâmetros mínimos de racionalidade organizatória, de viabilidade administrativa e financeira e de dotação de equipamentos públicos ou de uso público – o que reflexamente implica que o município de origem não seja privado dos mesmos atributos – e sabendo-se, por outro lado, que todo o território está “municipalizado”, com infra-estruturas, edifícios, equipamentos, serviços e pessoal em função da divisão administrativa existente, seria pouco compreensível que o acto de criação do novo município não estivesse sujeito ao imperativo de traçar os critérios a observar na concreta repartição entre os municípios in- teressados, do património, direitos e encargos, em ordem a assegurar a continuidade da prestação do serviço público a cargo da administração local autónoma. Esta indicação ainda pertence à opção política de (re) organizar o território, sendo a necessidade de dispor de um relatório que permita conhecer a realidade e as suas consequências e de os reflectir (e de os ponderar) no conteúdo do acto de criação um forte elemento de racionalização da respectiva decisão. Acresce que, na falta de fixação suficientemente densificada dos critérios de repartição de bens, obrigações e encargos pelo legislador no acto concreto de criação do novo município, além de se transferir para a fase de instalação a resposta a um problema que aí terá mais elevado poten- cial de conflitualidade que predispõe a um penoso arrastamento da solução final, com custos na eficiência da actuação das autarquias envolvidas, uma decisão que comporta fortes reflexos políticos porque afecta a definição dos meios e da capacidade operacional de cada autarquia, ficaria, em último termo, relegada para uma decisãoadministrativa. Nesta perspectiva, os poderes atribuídos à comissão instaladora do novo município e às câma- ras municipaisdo município ou municípios de origem pela Lei n.º 48/99, embora conferindo alguma autonomia na individualização das situações e de mecanismos de resolução de situações inapreensíveis pelo

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