TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

494 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL regularem a matéria em razão da qual a Constituição lhes reconhece proeminência funcional. Se elas traduzem o exercício da competência para preencher esse domínio de regulação, passam a ocupar esse domínio do orde- namento e impõem-se ao exercício posterior do poder legislativo, independentemente do momento em que foram emitidas. 6.4. A Lei n.º 142/85 tem, pois, uma função disciplinadora do exercício concreto da competência legislativade criação de municípios, vinculando o legislador no exercício dessa competência quanto a aspectoscomo o dos requisitos de que depende tal criação, do procedimento a seguir na elaboração das leis que a venham a determinar e dos aspectos essenciais a disciplinar através do diploma legal de criação ou modificação da autarquia. Assim, nos termos da Lei n.º 142/85, a decisão da Assembleia da República de criar um novo município tem de se apoiar num relatório (cfr. artigo 7.º) que, entre outros aspectos, deve proceder à “discriminação, em natureza, dos bens, universalidades, direitos e obrigações do município ou municípios de origem a transferir para o novo município” e à “enunciação de critérios suficientemente precisos para a afectação e imputação ao novo município de direitos e obrigações, respectivamente” [cfr. alíneas e) e f ) do n.º 1 do artigo 8.º ] . Os critérios materiais orientadores para a partilha de patrimónios e a determinação de direito e responsabilidades,a ter em conta na elaboração do relatório e pela comissão parlamentar na instrução e feitura da lei de criação, são os estabelecidos pelo artigo 12.º da Lei Quadro. E, embora não esteja vinculada pelo relatório, a lei criadora do novo município tem de fazer obrigatória menção a estes aspectos, introduzindo um mínimo de definição a seu respeito, como resulta do artigo 9.º Estão em causa elementos que, pela sua importância, são tidos por essenciais no processo de constituição do novo município e que justificam a exigência legal da sua menção no acto criador do mesmo. Ora, a Lei n.º 83/98, não procedeu às discriminações e à definição dos critérios que haviam de presidir às transferências patrimoniais e de responsabilidades a realizar entre os municípios envolvidos e à repartição entre eles dos direitos e encargos que deveriam corresponder a cada um. Deferiu essa competência para a comissão instaladora prevista no artigo 3.º, que incumbiu de “elaborar um relatório donde constem, tendo em vista o disposto na lei, a discriminação dos bens, universalidades e quaisquer direitos e obrigações do município de Santo Tirso que se transferem para o município da Trofa”, em clara desconformidade com o disposto nos artigos 8.º, n.º 1, alíneas e) e f ) , e 9.º, alínea b) , da Lei n.º 142/85, de 18 de Novembro. Foi esse evidente desvio da lei instituidora do novo município ao programa da Lei Quadro respectiva que o acórdão recorrido qualificou como ilícito legislativo e a que reconheceu nexo causal com o sobredi- mensionamento dos custos com pessoal no município do origem em que se fundou a condenação do Estado. 6.5. Para concluir pela confirmação ou não deste juízo no que respeita à violação do pelo n.º 1 do arti­ go 4.º da Lei n.º 83/98 da alínea b) do artigo 9.º, com referência às alíneas e) e f ) do n.º 1 do artigo 8.º, da Lei n.º 142/85, de 18 de Novembro – a única questão que é da competência deste Tribunal, não lhe cabendo saber se tal basta para estabelecer os demais pressupostos da responsabilidade, designadamente a ilicitude relevante e o nexo de causalidade com os prejuízos cuja indemnização se reclama – há uma última questão a resolver. É ela a de saber se as normas da Lei Quadro com as quais o diploma instituidor se mostra desconformesão aplicáveis ao caso. Efectivamente, embora não discutida pelo recorrente – porventura por coerência estrita com o entendi- mento de que a Lei Quadro não tem valor reforçado – essa matéria é da competência do tribunal porque se trata de estabelecer o parâmetro de controlo. Na fiscalização concreta de constitucionalidade ou ilegalidade a norma (o sentido normativo) objecto de controlo é um dado para o tribunal. Mas já não assim quanto à lei de valor reforçado alegadamente violada. A determinação e a fixação do conteúdo da norma infraconstitucional paramétrica é sempre tarefa do tribunal (é a sua função primordial neste tipo de recurso), do mesmo modo

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=