TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

493 ACÓRDÃO N.º 134/10 O artigo 164.º, n.º 1, alínea n) , da Constituição atribui, pois, dois tipos distintos de competência à Assembleia da República: (i) por um lado, a competência para criar, extinguir e modificar autarquias locais, sem prejuízo dos poderes das regiões autónomas; (ii) por outro lado, e tal como já sucedia antes da revisão de 1997, a competência para definir “o respectivo regime”, isto é, para definir o regime de criação, extinção e modificação de autarquias locais, mediante lei, que já era entendida na doutrina como, “um caso típico de Lei Quadro ou lei de enquadramento, que vincula as leis que lhe dão execução” (cfr., Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa , Anotada, 3.ª edição, Coimbra, 1993, p. 667), tidas como leis com valor reforçado. Há aqui uma dupla reserva: uma para a fixação do regime geral; outra para a lei-medida que, embora correspondendo também a uma volição política primária, institua (modifique ou extinga) cada autarquia. Na verdade, as leis de enquadramento ou Leis Quadro pertencem àquela categoria de leis que, na nossa ordem jurídico-constitucional, têm sido qualificadas como leis com valor reforçado (cfr. artigo 112.º, n.º 3, da Constituição), pelo facto de serem actos legislativos com um valor paramétrico em relação a outros actos legislativos, que os devem respeitar e para os quais eles funcionam como um marco de aferição da respectiva validade material. Entre a Lei Quadro e as leis que venham a ser emanadas dentro do respectivo âmbito de aplicação, existe uma relação de prevalência funcional, por força da qual serão inválidas as disposições conti­ das nas leis que, devendo fazê-lo por se reportarem a matéria por ela regulada, não se conformem com os parâmetros de validade decorrentes da Lei Quadro. Com explica Jorge Bacelar Gouveia, em situações deste tipo não há uma relação de hierarquia formal entre os actos, que nesse plano, se encontram em posição de igualdade: a prevalência de uns sobre os outros funda-se, antes, numa razão de ordem funcional, decorrente do papel que os primeiros são chamados a desempenhar (cfr. Manual de Direito Constitucional , Vol. II, Coimbra 2005, pp. 1216 e 1222). Prevendo a Constituição a existência de uma lei destinada a definir, em abstracto, o regime que outras leis deverão observar quando, em concreto, procederem à criação de cada autarquia local, não pode deixar de reconhecer-se que ela tem em vista a existência, neste domínio, de uma lei com valor paramétrico, ou seja, dotada de valor reforçado em relação às leis que concretizem o exercício dessa competência. Neste sentido, de que a lei do regime de criação, extinção e modificação territorial das autarquias locais é uma lei com valor reforçado [porque a divisão administrativa do território, que é feita por lei, depende desse regime: artigos 164.º, alínea n) , 227.º, n.º 1, alínea l) , e 236.º, n.º 4] pronuncia-se, ainda, ainda Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional , tomo V, 3.ª edição, pp. 360‑361. Idêntica opinião manifesta Joaquim Freitas Rocha ( loc. cit. , p. 578) que, referindo-se às razões da atribuição de valor reforçado, inclui as finalidades relaciona- das com o equilíbrio territorial e exemplifica com as leis criadoras, modificativas ou extintivas de autarquias locais ou de regiões administrativas. Pretende-se, com a subordinação da matéria a uma lei de enquadramento, que a vontade política manifestadanas leis de criação, modificação ou extinção concreta não resulte em soluções discrepantes entresi. Efectivamente, a existência de um regime de enquadramento, num domínio onde, com frequência, surgemtensões obnubiladoras de uma perspectiva global ou conflitos precipitantes de decisões políticas condicionadas por conjunturas temporais ou locais desgarradas, introduz no processo decisório de criação de autarquias um resguardo do decisor político contra pretensões casuísticas que afectem a racionalidade e equilíbrio da organização administrativa do território. Note-se, por último, que à qualificação da Lei n.º 142/85, de 18 de Novembro, como lei reforçada não obsta o facto de ela ser anterior à emergência constitucional do conceito, seja qual for o entendimento que se tenha sobre o seu valor positivo anteriormente à revisão constitucional de 1989. A força paramétrica das leis que são pressuposto necessário de outras leis ou que por estas devam ser respeitadas depende de aquelas

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