TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

491 ACÓRDÃO N.º 134/10 O que importa salientar é que – como, aliás, resulta da formulação literal do n.º 3 do artigo 112.º da CRP – os atributos de pressuposto normativo necessário e de vinculatividade material relativamente a outras leis que caracterizam as leis com valor reforçado têm de derivar directamente da Constituição; isto é, não basta que uma lei se autoproclame como pressuposto ou parâmetro de validade de outras leis para, sem mais, se transformar em lei com valor reforçado. A necessidade de aqueles requisitos resultarem directamente da Constituição tem sido reiteradamente subli­ nhada pela generalidade da doutrina. Assim, Jorge Miranda, Manual (...) , tomo V, citado , p. 351, afirma: “Na medida em que a força específica da lei decorre de normas constitucionais, a infracção de lei de valor refor- çado envolve inconstitucionalidade. Mas trata‑se de inconstitucionalidade indirecta (...). Quer dizer: a lei contrária a lei de valor reforçado vem a ser inconstitucional, não porque ofenda uma norma constitucional de fundo, mas porque agride uma norma interposta constitucionalmente garantida. E, precisamente, o critério para se reconhecer se uma lei é reforçada ou não está em saber se se verifica ou não tal ocorrência; está em saber se a inconstituciona- lidade surge imediatamente ou se é consequência da ilegalidade.” E mais adiante, p. 365: “A qualificação de uma lei como reforçada não depende da designação que o legislador lhe confira. Depende da verificação dos requisitos de qualificação constitucionalmente fixados, os quais têm que ver essencialmente com o objecto da lei, com as matérias sobre que versa, com a função que pretende exercer e, em alguns casos, comple- mentarmente, com o respectivo procedimento.” Manuel Afonso Vaz, “Opinião”, in Legislação , n.ºs 19/20, pp. 99‑100, refere: «O que queremos com isto salientar – e é este o segundo aspecto a nosso ver clarificador – é que não há leis com valor reforçado que dependam da vontade do órgão legislativo, antes é “por força da Constituição” que a lei se afirma com valor reforçado. Terá sempre de se invocar um preceito constitucional específico que faça daquele acto legislativo ou a forma, ou o pressuposto, ou o parâmetro, limitadores de outros actos legislativos. O problema continua assim a ser, como já o era, um problema de interpretação constitucional.» Por outro lado, e como é óbvio, não basta incidir sobre matéria colocada sob reserva de lei para que a lei emitida assuma valor reforçado: é necessário – repete‑se – que resulte da própria Constituição que a lei em causa é pres- suposto normativo necessário de outras leis ou por elas tenha de ser respeitada.» Em resumo, o artigo 112.º, n.º 3, da Constituição prevê quatro espécies de leis com valor reforçado, as duas primeiras tendo na base critérios formais ou procedimentais e as duas últimas assentando em crité- rios materiais: (i) as leis orgânicas, isto é, as leis da Assembleia da República que versem sobre as matérias mencionadas no artigo 166.º, n.º 2; (ii) as leis que carecem de aprovação por maioria de dois terços dos deputados presentes, desde que superiores à maioria absoluta dos deputados em exercício efectivo de funções, nos termos do artigo 168.º, n.º 6; (iii) as leis que, por força da Constituição, sejam pressuposto normativo necessário de outras leis; e (iiii) as leis que, por força da Constituição, devam ser respeitadas por outras leis. O processo de “positivação” da qualificação, que começou por ser doutrinária, das leis de valor reforçado a que se assistiu desde a revisão constitucional de 1989 “teve a explicá-lo uma evidente preocupação garantística: era preciso deixar claro que, em todas as circunstâncias já identificadas pela doutrina em que leis vinculassem outras leis, o parâmetro da legalidade era para cumprir, cabendo a sindicância do seu incumprimento ao Tribu- nal Constitucional ou a todos os tribunais nos mesmos termos em que lhes caberia o controlo da constitucio- nalidade” (Maria Lúcia Amaral, Legislação – Cadernos de Ciência de Legislação , n.º 19/20, p. 111).

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=