TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
487 ACÓRDÃO N.º 134/10 A revisão constitucional de 1989, embora não tivesse acolhido a proposta de consagração das “leis paracons titucionais”, instituiu a figura das “leis orgânicas”, a que o n.º 2 do artigo 115.º atribuiu explicitamente “valor reforçado”. Nos termos do artigo 169.º, n.º 2, revestiam a forma de lei orgânica os actos previstos nas alíneas a) e e) do artigo 167.º, isto é, as leis da Assembleia da República que incidissem sobre as seguintes matérias, todas elas incluídas no âmbito da sua reserva absoluta de competência legislativa: a) eleições dos titulares dos órgãos de soberania; b) regime do referendo; c ) organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional; d) organização da defesa nacional, definição dos deveres dela decorrentes e bases gerais da organização, do fun cionamento e da disciplina das Forças Armadas; e e) regimes do estado de sítio e do estado de emergência. As leis orgânicas, para além de serem obrigatoriamente votadas na especialidade pelo Plenário da Assembleia da República (característica, que, porém, não era exclusiva delas – cfr. artigo 171.º, n.º 4), careciam ainda de aprovação, na votaçãofinal global, por maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções (artigo 171.º, n.º 5). A mesma revisão constitucional de 1989 alargou a competência do Tribunal Constitucional, na fiscalização concreta e abstracta sucessiva da ilegalidade, até então confinada ao “âmbito regional”, a todas as situações de “ile- galidade de quaisquer normas constantes de acto legislativo com fundamento em violação de lei com valor refor- çado” [artigos 280.º, n.º 2, alínea a) , e 281.º, n.º 1, alínea b) ]. A ausência de uma definição constitucional do con- ceito de “lei com valor reforçado”, que obviamente não se cingia às leis orgânicas, originou assinaláveis divergências doutrinárias, desde a tentativa de reconduzir o critério de atribuição desse qualificativo ao mesmo que operava nas leis orgânicas(integração na reserva legislativa absoluta do Parlamento e sujeição a um procedimento agravado de aprovação parlamentar), passando por uma posição “monista” centrada na proeminência material de certas leis sobre outras, e até à posição “dualista”, que considerava reforçadas tanto as leis sujeitas a umprocedimento agravado, como as leis paramétricas do conteúdo de outras (cf., relativamente à versão da CRP de 1989, J. J. Gomes Cano- tilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , 3.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1993, pp. 503‑508 e 1022‑1023; J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional , 5.ª edição, Almedina, Coimbra, 1991, pp. 873‑876; Carlos Blanco de Morais, As Leis Reforçadas – As Leis Reforçadas pelo Procedimento no Âmbito dos Critérios Estruturantes das Relações entre Actos Legislativos , Coimbra Editora, Coimbra, 1998; Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional , Tomo II – Constituição e Inconstitucionalidade , 3.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1991, pp. 327‑328; Funções, Órgãos e Actos do Estado , Lisboa, 1990, pp. 290‑301; e “Apreciação da Dissertação de Doutoramento de Carlos Blanco de Morais”, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa , vol. XXXVIII, n.º 2, 1997, pp. 595‑603; J. J. Teixeira Ribeiro, “As últimas alterações à Constituição no domínio das finanças públicas”, in Boletim de Ciências Económicas , vol. XXXIII, 1990, p. 201, n.º 8; Antó nio Vitorino, “ Prefácio ” à Constituição da República Portuguesa , Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 1989, pp. LXX‑LXXII; José Magalhães, Dicionário da Revisão Constitucional , Publicações Europa‑América, Mem Martins, 1989, p. 71; José Luís R. Moreira da Silva, Da Lei Orgânica na Constituição da República Portuguesa , Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 1991; Lino Torgal, “Da Lei Quadro na Constituição Portuguesa de 1976”, em Jorge Miranda (org.), Perspectivas Constitucionais – Nos 20 Anos da Constituição de 1976 , vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 1997, pp. 907‑962; e Paulo Castro Rangel, “A concretização legislativa da Lei Quadro das Reprivatizações (a propósito da inconstitucionalidade do Decreto‑Lei n.º 380/93, de 15 de Novembro)”, in Legislação – Cadernos de Ciência de Legislação , n.º 23, Outubro/Dezembro de 1998, pp. 5‑38). Face à redacção de 1989 da Constituição, a jurisprudência constitucional teve oportunidade de se debruçar por diversas vezes sobre a temática das leis de valor reforçado, densificando este conceito. Destacam‑se, a este propósito, os Acórdãos n.ºs 71/90, 358/92 e 365/96, publicados em Acórdãos do Tribunal Constitucional , 15.º Vol., p. 7, 23.º Vol., p. 109, 33.º Vol., p. 513, respectivamente, e no Diário da República , II Série, n.º 164, de 18 de Julho de 1990, p. 7 989, I Série‑A, n.º 21, de 26 de Janeiro de 1993, p. 297, e II Série, n.º 108, de 9 de Maio de 1996, p. 6 185, também respectivamente).
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