TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

484 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL qual a Constituição confere a competência para, em última instância, administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional (artigo 221.º da CRP) lhe fossem subtraídas, o que é contrário à teleologia da consagração do Tribunal Constitucional como órgão superior da justiça constitucional, como tribunal especificamente dedicado a ela. Com a consequência de, em matéria tão delicada e polémica no plano constitucional e jurídico-político como é o da responsabilidade por acto da função legislativa, se agravaro risco de subsistirem decisões desencontradas, por falta de intervenção do órgão jurisdicional a que a Consti- tuição reservou a última palavra em tal domínio. Assim, as competências traçadas no artigo 280.º da Constituição e no artigo 70.º da LTC não podem deixar de ser interpretadas em conformidade com a posição do Tribunal Constitucional na arquitectura do sistema constitucional e de abrangerem, por equivalerem em todos os aspectos relevantes a aplicação ou recusa de aplicação, as decisões dos demais tribunais que se pronunciem sobre a inconstitucionalidade ou ilegalidade de normas jurídicas para os efeitos do apuramento da responsabilidade civil do Estado por ilícito legislativo. O juízo dos demais tribunais sobre a “relação de desvalor” da norma alegadamente lesiva com a norma paramétrica deve ser sempre susceptível de controlo pelo órgão constitucional de fiscalização concentrada da conformidade de actos normativos à Constituição e a leis de valor reforçado (observadas, obviamente, as regras processuais e de legitimidade). Aliás, tais razões justificativas das competências do Tribunal Constitucional parecem estar presentes, até de modo mais intenso, neste tipo de decisões. Não se trata, apenas, de afastar uma norma da regulação de um caso sujeito a apreciação jurisprudencial. Trata-se de fazer que o Estado responda civilmente porque o órgão legislativo a adoptou. Essa realidade levou a que se tenha chegado a conceber a intervenção do Tribunal Constitucional neste domínio não apenas segundo o modelo ou os meios comuns de exercício da sua competência de fiscalização concreta (no nosso sistema, intervenção a posteriori por via de recurso), mas pela atribuição da competência primária para esta forma de tutela contra actos violadores da Constituição (ou da lei de valor reforçado). É o que parece ser opinião de Jorge Miranda, “Nos dez anos de funciona- mento do Tribunal Constitucional”, in Legitimidade e Legitimação da Justiça Constitucional, p. 102, quando afirma que “ [d]e jure condendo seria, no entanto mais adequado cometer o seu conhecimento ao Tribunal Constitucional [conforme chegou a ser preconizado em 1987 no projecto de revisão do Partido Renovador Democrático para o artigo 21.º, n.º 1, alínea e) ]. Seria mais curial tendo em conta o laço estreito entre a apreciação da constitucionalidade e das suas consequências”. Refira-se, a terminar, que a favor da tese da admissibilidade do recurso, na vigência do Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967, se pronunciou Rui Medeiros, Ensaio sobre a Responsabilidade Civil do Estado por Actos Legislativos , 1992, pp. 174-175, e «A responsabilidade civil por ilícito legislativo no quadro da reforma do Decreto-Lei n.º 48 051», in Cadernos de Justiça Administrativa , n.º 27, p. 25, adiantando que se justifica a admissibilidade do recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais judiciais que concedem indemnizações, no âmbito das acções de responsabilidade civil contrao Estado por danos resultantes de normas legais, porque estas decisões dependem do reconhecimento da inconstitucionalidade ou ilegalidade da lei e invo­ cando, em reforço desta sua conclusão que o Tribunal Constitucional tem julgado, frequentes vezes, no sentido de que cabe recurso das decisões dos tribunais que implicitamente recusem a aplicação da norma inconstitu­ cional ao caso sub judice , e tem decidido, a propósito da responsabilidade do Estado por privação da liberdade com base numa lei inconstitucional, que o recurso de inconstitucionalidade constitui pressuposto indispensável para a procedência de uma acção de indemnização (Acórdãos n.ºs 90/84, 102/84, 237/86 e 339/87). Em conclusão, neste tipo de decisões, ao apreciarem a inconstitucionalidade ou ilegalidade dos actos legislativos alegadamente geradores de responsabilidade por ilícito legislativo, os tribunais ainda estão a aplicá-los (ou a desaplicá-los) como ratio decidendi da decisão que concede ou nega a indemnização. Apreciam a sua (in)constitucionalidade ou (i)legalidade e é em função disso que decidem. Deste modo, uma vez que

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