TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
483 ACÓRDÃO N.º 134/10 declaração de ilegalidade (ou inconstitucionalidade) do acto normativo lesivo, é indispensável que se prove, na acção de condenação, o valor jurídico negativo do acto legislativo gerador do prejuízo decorrente da violação de uma norma dotada de valor paramétrico (no nosso sistema jurídico, a Constituição ou uma lei de valor reforçado). O problema da responsabilidade civil do Estado por prejuízos causados por leis e o problema da invalidade ou validade da lei mesma aparecem como questões inextricavelmente imbricadas: afinal de contas, a existência de responsabilidade depende da ocorrência da invalidade (Maria Lúcia Amaral, “Dever de legislar e dever de indemnizar”. A propósito do caso “Aquaparque do Restelo”, in Themis, n.º 1, Vol. I, Tomo 2, 2000, p. 75). Embora em ordem a diferentes resultados ou como passo necessário de diferentes modos de protecção jurídica através dos tribunais contra actos do legislador que violem a Constituição ou uma lei com valor reforçado, há uma substancial identidade problemática e de significado jurídico-político entre a recusa de aplicação de uma norma a título incidental no uso dos poderes de fiscalização judicial difusa e o reconhe- cimento da sua inconstitucionalidade ou ilegalidade como integrante de um dos elementos da causa de pedir da acção de indemnização. A tarefa cometida ao tribunal da causa é idêntica, exige a realização das mesmas operações e ponderações valorativas acerca do conteúdo, da forma, ou do procedimento adoptados pelo legislador face às vinculações decorrentes da Constituição, quer esse tribunal seja colocado perante uma questão incidental de inconstitucionalidade ou ilegalidade reforçada no âmbito de um qualquer lití- gio que devesse resolver por aplicação da norma questionada, quer seja chamado a estabelecer a ilicitude como pressuposto da acção de indemnização e, para tanto, a ajuizar da inconstitucionalidade ou ilegalidade integrante da causa de pedir. O tribunal extrai do juízo instrumental que faz, através desses mesmos passos de actividade judicante incidente sobre a conformidade de uma dada norma, constante de acto legislativo, com os parâmetros constitucionais ou legais a que devia observância, diferentes consequências decisórias – num caso vai à procura da norma que há-de regular o caso sujeito (artigos 204.º e 282.º, n.º 1, da Constituição); no outro, passa à determinação dos efeitos lesivos e aos termos do seu ressarcimento –, mas isso é já activi- dade que se desenvolve num momento posterior (na lógica do processo decisório) à apreciação da inconstitu cionalidade ou ilegalidade a que anteriormente procedeu. Em qualquer das hipóteses, o juiz “dos restantes tribunais”, quando responde positivamente à questão de inconstitucionalidade ou ilegalidade (ou a inversa, mas a situação que interessa é a decisão positiva) nega ao acto legislativo a sua idoneidade para produzir validamente os efeitos que o legislador democrático quis que ele produzisse, pelas mesmas razões jurídicas e mediante o mesmo processo ponderativo e de confronto paramétrico de que se serve quando é chamado a resolver o caso sujeito por aplicação da norma (artigo 204.º da Constituição). E tem esse poder pela mesma razão fundamental: a supremacia normativa da Constituição e das leis a que esta atribua proeminência sobre os demais actos do poder normativo público e uma concepção do sistema de garantia da Constituição segundo o qual todos os tribunais são “juízes constitucionais”. A questão sujeita a apreciação permanece invariável, com a especificidade conceptual e metodológica própria das questões de inconstitucionalidade ou ilegalidade, quando é fundamento de uma decisão (incidental) de recusa de aplicação ou pressuposto da imputação de responsabilidade. E a decisão que os tribunais sobre ela tomam tem o mesmo tipo de significação jurídico-política nas relações entre o poder legislativo democrático e o poder judicial na arquitectura constitucional do Estado numa e noutra hipótese. Assim, todas as razões que, num sistema difuso de controlo da constitucionalidade, justificam a existência de um recurso das decisões dos (demais) tribunais para o Tribunal Constitucional – em certos casos, recurso obrigatório para o Ministério Público – estão presentes perante decisões de contencioso de responsabilidade fundado em ilícito legislativo. Efectivamente, proferido um juízo de inconstitucionalidade ou ilegalidade sobre determinada norma, como elemento sine qua non do requisito de ilicitude da actuação do legislador geradora de responsabilidade, a não admissibilidade do recurso para o Tribunal Constitucional permitiria que decisões dos demais tribunais fundadas no tipo de ponderações que justificam as competências do Tribunal Constitucional como órgão ao
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