TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
481 ACÓRDÃO N.º 134/10 se poderá considerar-se que o acórdão recorrido recusou a aplicação de quaisquer disposições constantes da Lei n.º 83/98, de 14 de Dezembro (refere-se ali também a Lei n.º 48/99, de 16 de Junho, o que já não nos interessa face à delimitação do objecto do recurso acima operada). No essencial, argumenta-se que o acórdão do Supremo e as decisões que este confirmou não recusaram a plena eficácia do disposto no n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 83/98 durante todo o tempo em que cumpriu aplicá-lo. A comissão instaladora foi constituída e exerceu funções com as competências que a norma em causa lhe conferiu, não pondo os tribunais judiciais em dúvida, na acção de responsabilidade civil extracontratualdo Estado intentada pelo município de Santo Tirso, o resultado desse exercício. O que os tribunais judiciais consideraram – e em última instância o que entendeu o Supremo, que é o que no presente recurso imediatamenteinteressa – foi que o desfasamento temporal ilegítimo na transferência de responsabi lidades e encargos para o novo município, que resulta de o legislador ter cometido à comissão instaladora o que deveria ter feito directamente na lei criadora do novo município, foi causa de prejuízos. Mas as soluções estabelecidas na norma não deixaram de se impor no ordenamento jurídico, não erguendo a decisão recorrida qualquer obstáculo à sua plena operatividade. O juízo de ilegalidade formulado pelos tribunais não foi aqui seguido da consequência típica que consiste em o tribunal, verificado o vício da norma em causa, lhe negar eficácia reguladora e, em vez dela, resolver o caso que lhe é submetido por aplicação das normas anteriores, por ela revogadas ou substituídas. Nesta perspectiva, a situação em causa não consubstanciaria um caso de desaplicação de acto normativo com fundamento em violação de lei com valor reforçado, integradora do fundamento do recurso previsto no artigo 280.º, n.º 2, alínea a) , da Constituição, e do artigo 70.º, n.º 1, alínea c) , da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC). Na resposta apresentada, o recorrente reitera o seu entendimento de que, a argumentação expendida pelo Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão recorrido, traduz uma desaplicação fundada em violação de lei reforçada, integradora da alínea c) do artigo 70.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, quando ali se afirma que “a solução prevista pela Lei n.º 83/98 (no citado artigo 4.º) para além de brigar com a Lei Quadro que não prevê a delegação de competência nessa matéria, comporta um desfasamento temporal por diferir soluções que já deveriam estar nesse acto legislativo, ou seja, a lei quadro impunha que fosse o acto criador do município a estabelecer desde logo, a discriminação dos bens e direitos a transferir e a enunciação de critérios tanto quanto precisos para sua afectação e imputação ao nosso município”, – radicando precisamente nessa omissão o “elemento de ilicitude” que ditou a responsabilidade civil do Estado. 5.2. O recurso de ilegalidade, ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, pressupõe a recusa de aplicação pela decisão recorrida de norma constante de acto legislativo, com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor reforçado e que essa desaplicação constitua sua ratio decidendi . Recusa que não tem de ser expressa, podendo ser implícita, desde que possa extrair-se do texto da decisão recorrida – na lógica interna da decisão e no contexto que a suscita – que a não aplicação dessa norma teve por fundamento um juízo de inconstitucionalidade ou de ilegalidade (cfr. entre outros, Acórdãos n.ºs 584/96, 25/01 e 511/08, tirados a respeito da recusa de aplicação por inconstitucionalidade, cujos fundamentos são igualmente válidos para o recurso por ilegalidade). O problema que se coloca é o de saber se, no plano processual, o juízo de ilegalidade por violação de lei com valor reforçado ( mutatis mutandis o juízo de inconstitucionalidade, pelo que na exposição subsequente não haverá preocupações de distinção), que integra necessariamente a decisão de procedência do pedido de indemnização por ilícito legislativo com tal causa de pedir, pode ser considerado, para este efeito, como decisão de “recusa de aplicação”. 5.3. O actual regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, no capítulo respeitante à responsabilidade civil por
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