TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

476 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Se tais limites forem ultrapassados logo ocorrerá ilicitude do acto legislativo do Governo. Porém, neste caso, será mais rigoroso falar-se de inconstitucionalidade orgânica pois se trata de invasão, pelo Governo, de área da competência legislativa reservada da Assembleia da República Mas, como bem referem as instâncias, outras situações existem em que um acto legislativo que contrarie orde­ namento anterior não deve ser tido, pura e simplesmente, como revogação das normas que regulavam de modo diferente os casos ou situações visadas. É o caso dos diplomas legais que estabelecem, genericamente, e em abstracto, critérios de criação de instituições como sucede, precisamente com a Lei n.º 142/85, de 18 de Novembro, que é, justamente, a Lei Quadro da criação de municípios. São aquelas leis que Gomes Canotilho nas suas lições de Direito Constitucional refere como apresentando um conteúdo de natureza paramétrica o qual serve de pressuposto material a posterior disciplina normativa. No caso – o da Lei Quadro da criação de municípios relativamente às leis que, em concreto, criam novos muni­ cípios –, estamos perante uma relação de auto vinculação pois uma e outra provêm do mesmo órgão. É matéria reservada à Assembleia da República tanto no plano do estabelecimento dum regime geral e abstracto – pressuposto normativo necessário - que deve ser observado no acto da criação individual de cada novo município, como no acto legislativo criador, em concreto, de cada nova realidade municipal. O problema da existência de leis comuns com tal valor tem hoje consagração constitucional no n.º 2 do artigo 115.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) – versão de 1989 – que expressamente prevê a existência de leis com esse valor não apenas as leis orgânicas, mas todas as que, nos termos constitucionais, sejam pressuposto normativo necessário de outra leis ou que por outra devam ser respeitadas. É o caso, claramente, da Lei n.º 142/85 sendo indiscutível a sua diferenciação qualitativa relativamente à Lei n.º 83/98, de 14 de Dezembro, que criou o município da Trofa inteiramente destacado do município de Santo Tirso. Da extensa matéria de facto provada que aqui se dá por inteiramente reproduzida, há que destacar, com inte­ resse directo para conhecimento do recurso, o seguinte: À data da criação do município da Trofa – Dezembro de 1998 – o município de Santo Tirso tinha um universo funcional ajustado a 103 000 habitantes e a uma área de 207 quilómetros quadrados. A criação do município da Trofa fez com que a parte destacada corresponda a cerca de 32% da população do município de Santo Tirso tal como antes se configurava e a 35% da área do mesmo concelho. Com custos de pessoal, no ano de 1998, o autor despendeu Esc.: 1 113 337 000$ e, no ano de 1999, não obstante a criação do município da Trofa, manteve esse custo. Admitindo-se a responsabilidade civil do Estado decorrente da sua actividade legislativa no pressuposto de que esta se traduziu numa ilicitude decorrente da violação de normas com valor reforçado não pode deixar de concordar-se com o entendimento das instâncias quanto à necessidade da existência de um nexo de causalidade entre essa actividade legislativa ilícita e os prejuízos causados ao município de origem. Daí que, não obstante a inobservância de todos os pressupostos previstos na Lei Quadro da criação de muni­ cípios – a referida Lei n.º 142/85 – a quase totalidade dos prejuízos invocados pelo autor – perda de receitas provenientes de impostos e taxas municipais, perda de transferência de capitais e de rendimentos não obtidos e de oportunidades, menor capacidade de endividamento, e todo o equipamento social ligado à área do novo muni­ cípio, bem como a perda de terrenos e mobiliário urbano correspondente à mesma área – constituem diminuições patrimoniais que o município de origem não deixaria de ter ainda que fossem rigorosamente observados todos os requisitos que a Lei Quadro impõe. Já assim não sucede com os prejuízos que teve de suportar e foi suportando em consequência do sobredimen­ sionamento dos quadros de funcionários e serviços que teve de manter, após a criação e instalação do município da Trofa não obstante a substancial diminuição quer da população quer da área resultante da amputação territorial e populacional que a criação do novo município implicou.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=