TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

471 ACÓRDÃO N.º 133/10 O que significa, por outras palavras, que o arguido, no processo onde o depoimento é prestado nada pode opor, no estrito plano do direito infraconstitucional e verificado o consentimento expresso do depoente, à inquirição do co-arguido como testemunha. Mas, sendo assim – como é – não pode, desde logo, conceber-se que a eventual ofensa do disposto no artigo 133.º, n.º 2, do CPP, por o co-arguido não ter expressado o seu consentimento – implique a violação das garantias de defesa, constitucionalmente asseguradas, do arguido que está a ser julgado no processo onde o depoimento é prestado.» Aqui, como no Acórdão n.º 181/05, entendeu-se que as cautelas de que se rodeia a admissibilidade do depoimento do co-arguido são impostas pela protecção dos direitos e da posição processual do arguido chamado a prestá-lo e não daquele contra o qual é valorado. Com efeito, no Acórdão n.º 181/05, o Tribunal decidiu não julgar inconstitucional o artigo 133.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de não exigir consentimento para o depoimento, como testemunha, de anterior co-arguido cujo processo, tendo sido separado, foi já objecto de decisão transitada em julgado. Entendeu-se não ser incompatível com as garantias processuais penais o entendimento de que o n.º 2 do artigo 133.º do Código de Processo Penal visa exclusivamente a protecção dos direitos de defesa do co-arguido em processo penal (designadamente, no processo separado), garantindo o seu direito de se não auto-incriminar. 6. Como nestes Acórdãos se põe em evidência, o arguido, cada arguido, é senhor da decisão, que deve ser inteiramente livre e esclarecida, de prestar ou não prestar declarações. E isso quer os factos lhe sejam imputadosapenas a si, quer respeitem também a outros arguidos. Cada arguido decide, como melhor lhe convier, se presta ou não declarações. E se as prestar serão valoradas, quanto a todos os factos sobre que versem, de acordo com o princípio da liberdade objectiva do juízo de prova. De modo algum, a circunstância de as declarações de um dos arguidos poderem ser valoradas contra os demais afecta a livre decisão destes de optarem pelo silêncio. Pode é a estratégia destes revelar-se menos ade- quada, mas isso é inerente à normal evolução da produção de prova. Pode suceder com esse ou com qualquer outro meio de prova, que os arguidos que exercem o direito ao silêncio acabem por ver-se na necessidade ou conveniência de modificar essa opção face à evolução da produção da prova. Afirmar isto não significa que não deva o juiz encarar com cautelas adicionais as declarações de um arguido em desfavor de outro. Como diz Medina de Seiça, loc. cit., p. 206, “apesar de legitimamente valo­ rável e assumir diversas vezes um significado precioso para a descoberta da verdade, constitui uma máxima da experiência (nesse sentido naturalmente fundada) que a informação probatória dos co-arguidos, na parte em que se refere aos outros, há-de rodear-se de particular dúvida”. Ora, o acórdão recorrido não perfilhou um entendimento que tenha simplesmente nivelado valorativamente as declarações do co-arguido às declarações de uma testemunha. Perfilhou, como se disse, a chamada teoria da corroboração, contrastando as declarações do arguido com outros elementos que, mesmo sem versarem directamente sobre os factos por elas narrados, conferiam credibilidade a essa narrativa. Seguramente que, submetidas a estas exigências de exame crítico e fundamentação acrescidas, as decla­ rações do co-arguido são meio probatório idóneo de um processo penal de uma sociedade democrática. O processo penal destina-se à realização da justiça penal e seria comunitariamente insuportável negar valor probatório a declarações provindas de quem tem com os factos em discussão maior proximidade apenas pela circunstância de ser seu autor um dos arguidos quando essas declarações são emitidas livremente e, num escrutínio particularmente exigente, se conclui não haver razão para duvidar da sua correspondência à reali- dade. Decisivo é que o arguido contra quem tais declarações sejam feitas valer não tenha sido impedido de submetê-las ao contraditório, como resulta do Acórdão n.º 194/97, mas disso não há suspeita na dimensão normativa em apreciação.

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