TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

470 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL citando Gössel, afirma que «às proibições de prova cabe a importante tarefa de “prevenir que o imperativo da realizaçãoda justiça material que dimana do Estado de direito redunde precisamente no seu contrário”. (...) É que, precisa Gössel “do princípio do Estado de direito decorre o dever de averiguar a verdade e, ao mesmo tempo, a delimitação dessa averiguação”» (cfr . Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal , Coimbra Editora, 1992, pp. 117 a 119). E continua o Acórdão: «Segundo Medina de Seiça, a norma constante do artigo 133.º do CPP – impedimento para depor como teste- munha – representa “uma das regras que caracterizam em maior medida a actual disciplina da prova testemunhal” e “constitui o vértice da concepção global sobre a função ou posição processual que ao co-arguido se deve reconhecer no quadro do direito probatório” (cfr. ob. cit ., p. 17).  A consagração de um impedimento em sede de obtenção/produção de prova implica forçosamente uma limitação à aquisição de material probatório. A justificação do impedimento de o co-arguido depor como testemunha tem como fundamento essencial uma ideia de protecção do próprio arguido, como decorrência da vertente negativa da liberdade de declaração e depoimento, a que acima se fez referência e que se traduz no brocado latino nemo tenetur se ipsum accusare , o tam- bém chamado privilégio contra a auto-incriminação (cfr. neste sentido, Costa Andrade, ob. cit ., p. 121). A proibição de o arguido ser ouvido como testemunha, enquanto limitação dos mecanismos de constrangimento inerentes à prova testemunhal, constitui expressão do privilégio contra a auto-incriminação. O alargamento do impedimento – alargamento do direito do arguido ao silêncio – ao próprio co-arguido arranca desta mesma matriz da garantia contra a auto-incriminação, enquanto expressão do direito de defesa, entendida como a exigência de assegurar ao co-arguido o direito a defender-se, sem que, através do testemunho sobre facto de outro, ele comprometa sua própria posição processual, auto-incriminando-se (cfr. neste sentido, Medina de Seiça, ob. cit ., pp. 36 e 37). A consagração do impedimento representa uma renúncia do Estado à “colaboração forçada” na investigação de factos criminosos de quem é alvo dessa mesma investigação. Omodelo do testemunho consentido, previsto no artigo 133.º, n.º 2, do CPP, pretende satisfazer a exigência de trazer o conhecimento probatório do co-arguido a um processo em que ele não se encontra a responder, sem elimi- nar a garantia do impedimento: a não sujeição dos arguidos do mesmo crime ao constrangimento característico da prova testemunhal. Ao cometer ao co-arguido a decisão sobre o exercício concreto da protecção, o impedimento deixa de ser absoluto e passa a relativo (ainda neste sentido Costa Andrade, ob. cit . p. 121 e Medina de Seiça ob. cit. p. 123) [ ...] 5. O que se deixa dito permite-nos agora abordar, directamente, e com a limitação dos poderes de cognição deste Tribunal (no caso, aceitando que o co-arguido não deixara ainda de ser arguido, pelo mesmo crime, em processo separado e que não consentiu, expressamente, em depor como testemunha), a questão de constituciona- lidade em causa: saber se a admissão e valoração do referido meio de prova contra o arguido no processo em que é prestado o depoimento, tal como resulta da interpretação feita pelo acórdão recorrido da norma do artigo 132.º, n.º 2, do CPP, ofende a Constituição. E, desde logo, a de saber se se verifica a violação do artigo 32.º, n.º 1, da CRP. Ora, o Tribunal entende que a norma que estabelece o assinalado impedimento relativo visa, exclusivamente a protecção dos direitos do co-arguido, enquanto tal, no processo pertinente, em ordem a garantir o seu direito de se não auto-incriminar. Para assim concluir o Tribunal tem, antes do mais, em conta que o impedimento cessa no caso de o co-arguido deixar de o ser no processo separado, por qualquer forma por que o procedimento criminal se pode extinguir. E, por outro lado, faz relevar o facto de o consentimento expresso do mesmo co-arguido ser suficiente para a legalidade deste meio de prova.

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