TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
460 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL A irrelevância do elemento sistemático retirado do artigo 8.º, n.º 1, do RGIT só é procedente, nos termos em que é invocada na decisão recorrida, se, de facto, se tratar aqui de norma em matéria de responsabilidadecivil, o que é discutível doutrinal e jurisprudencialmente (cfr. Acórdão do Tribunal Cons- titucional n.º 129/09, disponível em www.tribunalconstitucional.pt; e, ainda João Matos Viana, “ A (in) constitucionalidade da responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes pelas coimas aplicadas à sociedade” e Germano Marques da Silva , “ Responsabilidade subsidiária dos gestores por coimas aplicadas a pessoas colectivas”, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal , Ano 2, Números 2, pp. 199 e segs., e 3, pp. 297 e segs., respectivamente). O elemento histórico da interpretação aponta antes no sentido de o legislador não ter desconsiderado a circunstância de os agentes serem titulares de direito ou meramente de facto. Foi desconsiderada, isso sim, a constituição regular ou irregular da pessoa colectiva, bem como o facto de se tratar de mera associação de facto, mas tal ocorreu por via de referência expressa no artigo 12.º, n.º 1, do CP e 6.º, n.º 1, do RGIT, não se podendo retirar daqui que, então, também se abrange o titular meramente de facto. Quer uma quer outra disposição legal pressupõem a distinção entre quem é punível por actuação em nome de outrem – no caso, quem age voluntariamente como titular de um órgão de uma sociedade – e a pessoa em nome da qual se actua – no caso, uma sociedade, relativamente à qual se verificam determinados elementos pessoais exigidos pelo tipo legal de crime, praticando o agente o facto no seu próprio interesse –, sendo que somente quanto a este último aspecto há extensão expressa à sociedade irregularmente constituída e à mera associação de facto. A propósito da justificação político criminal de norma que puna a actuação do administrador de facto em nome de uma sociedade é de reafirmar que o fundamento e o conteúdo de sentido do princípio da legalidade em matéria criminal impõem que tal norma – ainda que político-criminalmente justificada – se contenha no quadro de significações possíveis das palavras da lei, sob pena de a interpretação permitida dar lugar à analogia proibida. “Em rigor, o princípio da legalidade e o seu corolário da tipicidade sobrepõem-se absolutamente à necessidade político-criminal” (declaração de voto da Conselheira Fernanda Palma aposta ao Acórdão nº 395/03). 3. O artigo 6.º, n. os 1 e 2, do RGIT estende a punibilidade do abuso de confiança, previsto e punido no artigo 105.º, n. os 1 e 5, do mesmo regime, a quem agir voluntariamente como titular de um órgão de uma sociedade, ainda que seja ineficaz o acto jurídico fonte dos respectivos poderes. Destas palavras da lei resulta que a referência à actuação do agente como titular significa que o tipo legal de crime só é preenchido quando o agente pratica a conduta proibida enquanto titular (de direito) de um órgão de uma sociedade. Não quando o agente se faz passar por titular, isto é, quando pratica a conduta proibida como se fosse titular. É este, aliás, o sentido do n.º 2 do artigo 6.º, nos termos do qual é sempre necessário um acto jurídico que seja fonte dos poderes do agente. Ainda que se trate de acto jurídico ineficaz, pois “não se compreenderia que o dever penal estivesse dependente da regularidade jurídico-comercial das deliberações que nomeiam a gerência ou a administração” (Pedro Caeiro, loc. cit. , p. 94, a propósito do n.º 2 do artigo 12.º do CP). 4. Também a expressão “quem agir voluntariamente como titular de um órgão de uma pessoa colectiva, sociedade ou mera associação de facto”, constante do n.º 1 do artigo 12.º do CP, é interpretada, embora não de forma unânime, no sentido de que esta disposição legal, “ao referir as pessoas que actuam como titulares… etc., não pretende responsabilizar aqueles que, não o sendo, se fazem passar por tal, mas sim os agentes que praticam as condutas proibidas enquanto titulares…, etc.” (Pedro Caeiro , C omentário Conim bricense do Código Penal , tomo II, Coimbra Editora, 1999, comentário ao artigo 227.º, § 9. Cfr, ainda, no mesmo sentido, declaração de voto da Conselheira Fernanda Palma aposta ao Acórdão nº 395/03). Para além do elemento sistemático, já referido, que se retira do artigo 227.º, n.º 3, do CP na redacção vigente, abonam também no sentido desta interpretação as Actas da Comissão Revisora do Código Penal, de acordo com as quais “o problema do eventual alargamento do conceito de representação até à representação de facto é conhecido do legislador e foi por ele resolvido no sentido de que é necessário que haja um título que confira poderes ao representante, excluindo, deste modo, um conceito alargado de representação que
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