TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
458 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL DECLARAÇÃO DE VOTO Votei vencido quanto ao conhecimento do recurso, no essencial, pelas razões constantes, entre muitos outros, dos Acórdãos n. os 674/99, 331/03, 336/03 e 494/03, entendendo que não constitui uma questão de constitucionalidade normativa, sobre a qual possam recair os poderes cognitivos do Tribunal Constitucional, a fiscalização de um alegado processo interpretativo que conduziria a uma aplicação de uma norma que, por força do princípio da legalidade penal, ultrapassasse o campo semântico dos conceitos que o legislador penal terá utilizado; ou seja, entendendo que não é constitucionalmente permitido a este Tribunal a verificação da ocorrência de uma alegada interpretação (“extensiva”, “analógica” ou “actualista”) de uma norma penal, em invocada colisão com os princípios da legalidade e da tipicidade. Na sequência, não sendo o alegado processo interpretativo susceptível de ser sindicado por este Tribunal, está o mesmo, então, confrontado com uma norma – assumida como um dado - que, pura e simplesmente, estatui a responsabilidade do administrador de facto. Ora, quanto a uma norma com um tal teor, voto a decisão de não inconstitucionalidade. – Gil Galvão. DECLARAÇÃO DE VOTO Votei vencida por entender que o artigo 6.º, n.º 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, quando interpretado no sentido de a expressão “como titular de um órgão de uma sociedade” abranger o administrador de facto, é inconstitucional, por violação do artigo 29.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP). 1. Um Estado de direito (artigo 2.º da CRP) deve proteger o indivíduo não apenas através do direito penal, mas também do direito penal (cfr. Claus Roxin, Strafrecht. Allgemeiner Teil. Grundlagen. Der Aufbau der Verbrechenslehre , München, 1992, p. 67). O que supõe que, a par de outros princípios, a intervenção penal seja submetida ao princípio da legalidade (artigo 29.º da CRP), cujo conteúdo essencial, em matéria incriminatória, se traduz em que não pode haver crime que não resulte de lei prévia, escrita, certa e estrita (sobre isto, Figueiredo Dias , D ireito Penal. Parte Geral. Questões Fundamentais. A Doutrina Geral do Crime , Coimbra Editora, 2007, pp. 177 e segs.). No Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 183/08 conclui-se relativamente a este princípio constitu- cional, com relevo para a questão de constitucionalidade a decidir, que: «Não se trata, pois, apenas de um qualquer princípio constitucional mas de uma “garantia dos cidadãos”, uma garantia que a nossa Constituição – ao invés de outras que a tratam a respeito do exercício do poder jurisdicional – explicitamente incluiu no catálogo dos direitos, liberdades e garantias relevando, assim, toda a carga axiológico- -normativa que lhe está subjacente. Uma carga que se torna mais evidente quando se representa historicamente a experiência da inexistência do princípio da legalidade criminal na Europa do Antigo Regime e nos Estados totalitários do século XX (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal. Parte Geral , I, p. 178 ) . Nos Estados de direito democráticos, o Direito Penal apresenta uma série de limites garantísticos que são, de facto, verdadeiras “entorses” à eficácia do sistema penal; são reais obstáculos ao desempenho da função punitiva do Estado. É o que sucede, por exemplo, com o princípio da culpa, com o princípio da presunção de inocência, com o direito ao silêncio e, também, com o princípio da legalidade ( nullum crimen sine lege certa). Estes princípios e direitos parecem não ter qualquer cabimento na lógica da prossecução dos interesses político-criminais que o sistema penal serve. Estão, todavia, carregados de sentido: são a mais categórica afirmação que, para o Direito, a liberdade pessoal tem sempre um especial valor mesmo em face das prementes exigências comunitárias que justi- ficam o poder punitivo.
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