TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
456 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL autoria realizada pela cláusula de actuação em nome de outrem tem de se fundar em princípios e estruturas próprias do direito penal. (…) [O] centro de gravidade da actuação em nome de outrem não é colocado na relação interna de representação, mas reside correctamente na relação material que o representante estabelece com o bem jurídico. Assim, não se imputa ao representante nada que lhe seja alheia ou estranho: a sua responsabilidade resulta, única e exclusivamente, de fundamentos que nele próprio concorram material e pessoalmente.” (cfr. “Actuação em nome de outrem no âmbito empresarial, em especial no exercício de fun- ções parciais. Observações breves”, in Liber Discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias , Coimbra, Coimbra Editora, 2003, pp. 608-609). 10.5. Já Germano Marques da Silva sustenta que “no caso do denominado administrador de facto (…) o intérprete não é chamado a qualquer juízo de integração, simplesmente deve clarificar se a expressão ‘age voluntariamente como titular de um órgão’ pode compreender ainda o caso de quem pratica efectivamente actos em nome da sociedade embora o acto fonte dos respectivos poderes não seja perfeito ou nem sequer exista segundo o direito privado.” (cfr. Responsabilidade penal das sociedades… , ob.cit ., p. 316). Este autor enfatiza igualmente a especial posição dos agentes em causa para a lesão do bem jurídico: “agente destes crimes só pode ser quem tenha o domínio para realizar a conduta típica ou quem infrinja um dever especial requerido pelo tipo, com independência do regime jurídico obrigacional interno (relativo à sociedade) e externo (relativamente a terceiros com quem mantém relações jurídicas” - ob. cit ., p. 317). Conclui então que a responsabilidade penal dos administradores a que se referem os artigos 12.º do CP e 2.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, “não se limita aos administradores e representantes de direito, mas abrange também os administradores de facto (…)” ( ob. cit ., pp. 317 e segs.). Nesse sentido concorrem não só interesses de política criminal como o próprio elemento literal do tipo. Por um lado, a ocorrência frequente de situações em que a nomeação do administrador enferma de vícios jurídicos – designadamente culposos – justifica a não existência de tal lacuna de punibilidade. Por outro lado, o que o tipo exige é a actuação voluntária como órgão. Ora, “agir voluntariamente como órgão não é o mesmo que ser titular do órgão, mas exercer um poder correspondente ao do órgão e por essa via lesar o bem jurídico. Trata-se agora de responsabilidade por facto próprio e se o agente voluntariamente viola o bem jurídico, actuando como se fosse efectivamente titular do órgão social, não há razão substantiva, nem formal, para excluir a sua responsabilidade.” (cfr. ob. cit ., p. 319). 10.6. A propósito dos crimes falenciais, também Maria Fernanda Palma entende ser de prescindir da formalização jurídica da representação, impondo-se, no mínimo, “a aparência de representação ou de actuação como titular de órgão da pessoa colectiva. A aparência jurídica permitirá, aliás, que meros sócios ou outros agentes que não sejam titulares, do ponto de vista jurídico, dos órgãos da pessoa colectiva, mas o sejam apenas de facto, realizem o tipo.” (cfr. “Aspectos penais da insolvência e da falência”, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa , volume XXXVI, n.º 2, 1995, p. 412). 11. Regressemos ao objecto do presente recurso, focado no artigo 6.º do RGIT. Sublinhe-se que as considerações expendidas a propósito da interpretação de normas do direito penal clássico não são susceptíveis de uma transposição acrítica para áreas do direito penal tributário. 11.1. Neste campo específico da fiscalização judicial da não violação do princípio da tipicidade, o Tribunal Constitucional deve restringir a sua actividade à averiguação da conformidade da interpretação normativa em causa com o alcance semântico do tipo. A intentio legislatoris apenas releva se e na medida em que alcança correspondência na “letra” da lei. O mesmo se diga relativamente ao elemento sistemático e a considerações de índole teleológica. A certeza e previsibilidade do tipo incriminatório apenas se atém ao conteúdo que é possível extrair directamente do mesmo. A exigência de cognoscibilidade prévia das condutas incriminadas não pode abranger um esforço exegético tal que integre considerações relativas a outros elemen-
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