TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

452 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Repare-se que o n.º 5 do artigo 227.º do Código Penal, relativo à insolvência dolosa, que efectivamente menciona «quem tiver exercido de facto a respectiva gestão ou direcção efectiva» foi introduzido apenas pela Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro. Antes, o n.º 3 do mesmo artigo já previa a punição do “terceiro que praticar algum dos factos descritos no n.º 1”. Esse n.º 3 consentia o entendimento de que abrangia a actuação de todas as pessoas singulares que agissem em nome do devedor (com conhecimento e em beneficio deste), pois tais pessoas podiam ser consideradas “terceiros” em relação ao devedor, sendo, então, a pena especialmente atenuada. O novo n.º 5 introduzido pela Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro, pretendeu, a nosso ver, esclarecer cabalmente a questão, de forma a afastar aquela atenuação da pena nas situações aí previstas. Por outro lado, o artigo 8.º, n.º 1, do RGIT, não rege sobre responsabilidade criminal, mas antes sobre respon- sabilidade civil por substituição, compreendendo-se que a sua redacção contraste com a do n.º 1 do artigo 6.º, que rege sobre responsabilidade criminal. Assim interpretados os preceitos legais em apreço, não se identifica, a nosso ver, qualquer inconstitucionalidade do artigo 6.º do RGIT na acepção de que abrange a punição do administrador de facto, designadamente por viola- ção dos princípios da tipicidade e da legalidade criminal (sobre a responsabilidade dos administradores de facto, ver Germano Marques da Silva, Responsabilidade penal das sociedades e dos seus administradores e representantes , Verbo, 2009, pp. 234, 243 a 245, 294 e segs., especialmente pp. 315 e segs.). Improcede, pois, a pretendia exclusão da responsabilidade do recorrente A., com fundamento em ser adminis­ trador de facto.» 3 . Desta decisão foi interposto o presente recurso para apreciação da conformidade constitucional da norma (ou interpretação da norma) do artigo 6.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, na medida em que esta inclui no seu âmbito incriminatório a figura do “administrador de facto”, por desrespeitar “o princípio da segurança jurídica, o da tipicidade e o da legalidade criminal (artigo 29.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa).” 4. Notificado para alegar, o recorrente concluiu o seguinte: «I – O recorrente suscitou oportunamente a questão da inconstitucionalidade do artigo 6.º, n.º 1, do RGIT ao Tribunal da Relação de Coimbra. II – O Tribunal da Relação de Coimbra veio confirmar a validade da norma impugnada por acórdão que não admite recurso ordinário. III – Recorre-se agora ao Tribunal Constitucional com fundamento no disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional. IV – A norma do artigo 6.º, n.º 1, do RGIT em momento algum menciona a figura do administrador de facto. V – Sendo o ordenamento jurídico um todo unitário, resulta óbvio que se o legislador desejasse a punição dos meros “administradores de facto” pela prática de crimes fiscais, a norma do artigo 6.º, n.º 1, do RGIT faria refe­ rência expressa aos mesmos ou, em alternativa, como se fez no Código Penal, cada tipo específico em que essa incri­ minação fosse recomendável incluiria essa menção na sua redacção tal como consta no artigo 227.º, n.º 5, do CP. VI – Não existe no ordenamento jurídico português a definição do que é que possa ser (ou de que é o que faz) um administrador de facto. VII – A inclusão jurisprudêncial do administrador de facto na previsão da norma do artigo 6.º, n.º 1, do RGIT deverá ser julgada inconstitucional por configurar um caso de autêntica analogia incriminatória. VIII – Caso assim não se entenda, sempre se dirá que a norma em causa possui um âmbito incriminatório extremamente vago que não permite a delimitação exacta dos casos em que a actuação em nome outrem é relevante para efeitos da prática de crimes de natureza fiscal.

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