TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
451 ACÓRDÃO N.º 128/10 Concordamos com este entendimento. No plano não já da responsabilidade individual do administrador de facto, mas antes da imputação à pessoa colectiva e entidade fiscalmente equiparada, julgamos ser dominante na jurisprudência o entendimento de que tal imputação ocorre por infracções praticadas por meros dirigentes ou representantes de facto, posição que teve o assentimento do Tribunal Constitucional, que no seu Acórdão n.º 395/03 considerou não ser inconstitucional a interpretação do artigo 7.º do RJIFNA segundo a qual a expressão “órgãos ou representantes” incluía os órgãos ou representantes de facto. Em todo o caso, existem duas questões distintas: a dos critérios de imputação de responsabilidade às pessoas colectivas e equiparadas, que constam do artigo 7.º do RGIT; a questão da responsabilidade dos agentes indivi- duais por factos praticados em nome e no interesse da pessoa colectiva, regulada no artigo 6.º do RGIT – que é a norma correspondente ao artigo 12.º do Código Penal. Nada obriga a que existam soluções simétricas para as duas questões – que são claramente distintas. O artigo 12.º do Código Penal teve sobretudo em vista alargar a responsabilidade de determinadas pessoas singulares aos crimes próprios ou específicos em que os respectivos elementos típicos se não verificam na pessoa do agente, mas na do representado – tem, por isso, a natureza de uma cláusula de extensão da responsabilidade penal ou da punibilidade. A expressão adverbial “mesmo quando” empregue no n.º 1 do artigo 12.º, significa que há responsabilidade por actuação em nome de outrem também nas hipóteses indicadas nas respectivas alíneas a ) e b ) do artigo. Assim, o artigo 12.º do Código Penal e o artigo 6.º do RGIT definem a responsabilidade penal de quem actua como titular de órgãos, membro ou representante de uma pessoa colectiva, sociedade ou mera associação de facto, nos casos em que, agindo nessa qualidade, a sua acção corresponda a um tipo de crime, mesmo quando o respectivo tipo legal prevê a punição de crime próprio, isto é, crime que exige a verificação de determinados elementos pessoais ou uma actuação no interesse próprio e esses elementos concorram na pessoa colectiva, sociedade ou mera associação de facto e não naqueles administradores ou representantes. Afigura-se-nos que o referido artigo 12.º – a que corresponde o artigo 6.º do RGIT –, no texto resultante da revisão levada a efeito pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, ao delimitar o círculo de sujeitos que agem em nome de outrem que são jurídico-penalmente responsáveis, mediante as expressões actuação “como titular de um órgão de uma pessoa colectiva” e “em representação legal ou voluntária”, abrange a actuação de administradores de facto, sendo certo que nem o artigo 12.º, n.º 1, do Código Penal, nem o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro (delitos económicos), nem o artigo 6.º do RGIT se referem aos órgãos, mas a quem agir volunta- riamente como órgão. Por outras palavras: seguindo a letra da lei, o artigo 7.º do RGIT, tal como o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 28/84, só responsabilizam as pessoas colectivas pelas infracções praticadas pelos seus órgãos, diferentemente do que acontece no artigo 6.º do RGIT e no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 28/84, em que basta que o agente actue como órgão, arrogando-se essa qualidade. Agir voluntariamente como órgão não é o mesmo que ser titular do órgão, mas antes exercer um poder correspondente ao do órgão. O recorrente A., não sendo administrador “de direito” da sociedade-arguida, exercia, “de facto” essa adminis- tração, conjuntamente com o seu co-arguido, conforme resulta da matéria de facto provada. Ainda que lhe competisse, essencialmente, a área comercial da empresa, a decisão de não entregar o IVA é de ambos os arguidos e ambos co-dirigiam e partilhavam os destinos da sociedade, sendo ambos responsáveis, nos termos dos factos assentes, não se podendo dizer que estivesse fora da sua disponibilidade providenciar, no âmbito da co-administração, para que o IVA fosse entregue. Havendo co-administração, entre um administrador de direito e um administrador de direito, ainda que este- jamos perante um crime omissivo puro ou próprio – como é o crime de abuso de confiança fiscal –, entendemos que nada obsta à co-autoria do ilícito por ambos, posto que ambos exerciam a administração, ainda que repartindo áreas, e ambos co-decidiram a actuação a tomar em termos de cumprimento das obrigações fiscais em sede de IVA. Não identificamos que com tal entendimento se origine qualquer contradição dentro do sistema.
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