TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

450 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional: I — Relatório 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público , foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) , da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele tribunal de 25 de Março de 2009. 2. Por sentença de 28 de Março de 2008, o Tribunal Judicial da comarca de Condeixa-a-Nova condenou o recorrente pela prática, em co-autoria, de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, previsto e punível no artigo 105.º, n.ºs 1 e 5, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT). Interposto recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, este tribunal, pelo acórdão agora recorrido, negou provimento ao mesmo, confirmando a sentença recorrida. Tendo sido dado como provado que A. exercia a administração de facto da sociedade B., S. A., foi condenado pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, ao abrigo do disposto nos artigos 105.º, n.ºs 1 e 5, e 6.º do RGIT e 30.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal (CP). Da decisão importa reter o seguinte: «2. O recorrente A. argumenta que o artigo 6.º do RGIT não abrange a responsabilidade dos administradores de facto. Prescreve tal preceito: (…) A disciplina normativa pré-vigente, do Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras (RJIFNA), era idêntica. Segundo o recorrente, só os gerentes e administradores que o sejam pela forma legal ou contratualmente estabelecida, a que por comodidade chamaremos de direito, e não já os que o sejam apenas de facto, podem ser sujeitos activos do crime de abuso de confiança fiscal. Trata-se de questão controversa. Disse, a este respeito, a Relação do Porto, no seu acórdão de 24 de Março de 2004 (Processo: 0342179): “Este entendimento da recorrente esbarra com a literalidade do artigo 6.º de ambos os diplomas. Este norma- tivo, artigo 6.º – na senda do artigo 12.º do Código Penal – alarga a responsabilidade penal e consequentemente a punibilidade pela actuação em nome de outrem, quando o agente actuou voluntariamente como titular dos órgãos de uma pessoa colectiva, mesmo quando o respectivo tipo de crime exija certos elementos que a lei descreve. A formu- lação legal inculca o contrário do alegado pela recorrente: a lei diz muito claramente, naquele português claro, para militar entender, na impressiva formulação de Antunes Varela, que os crimes de que tratam o RJIFNA e o RGIT, e concretamente os crimes de abuso de confiança contra a segurança social, podem ter como sujeitos activos gerentes de facto, como é o caso da recorrente. Para tanto basta, além do mais que agora irreleva referir, que essas pessoas actuem voluntariamente como se tivessem essas qualificações e como se fossem titulares de órgãos ou representantes da pessoa colectiva ou sociedade. Olegislador, avisado como é e conhecedor de quenesta área as cifras negras sãograndes (cfr. PreâmbulodoCódigo Penal e Lopes Rocha, A responsabilidade das Pessoas Colectivas , Centro de Estudos Judiciários 1 085, p. 110), no de- senho do ilícito típico das condutas voluntárias dos titulares de órgãos de pessoas colectivas, desconsiderou a circuns­ tância da sua regular ou irregular constituição, ou mera associação de facto, quer a circunstância de os agentes serem titulares de direito ou meramente de facto. A vingar a tese da recorrente, como justamente acentua o assistente, certa- mente se generalizariam as situações de facto destinadas a eximir os agentes de factos delituosos às sanções penais. A informalidade, referida no conhecido relatório Mckinsey, dominaria então a economia. A eficaz solução legislativa, ditada por conhecidas e acima referidas razões de política criminal, não viola pois os princípios da legalidade e do Estado de direito.

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