TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
437 ACÓRDÃO N.º 99/10 Na óptica da recorrente – como se deixou dito atrás –, em matéria de determinação do limite máxi- mo admissível da indemnização por exoneração fundada em mera conveniência de serviço, a interpretação normativa aplicada pelo tribunal recorrido traduz-se num tratamento desigual dos gestores públicos requisi tados, relativamente aos gestores públicos sem lugar de origem na função pública, sem que haja fundamento material bastante para tal diferenciação. Para efectuarmos a ponderação necessária à aferição do parâmetro da igualdade, temos que ter pre- sente que estamos perante a fixação legal duma indemnização à forfait . O legislador não deixou o cálculo do montante indemnizatório devido pelo acto de exoneração, por conveniência de serviço, dependente da prova dos prejuízos realmente sofridos pelos gestores atingidos, tendo-se antes optado, por razões de certeza e igualdade, por efectuar uma liquidação antecipada dos mesmos, com recurso a juízos de prognose abstracta. As indemnizações fixadas no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 464/82, de 9 de Dezembro, tiveram unica- mente em conta o previsível prejuízo da perda de vencimentos resultante da cessação antecipada das funções de gestor público. Na economia do regime previsto no artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 427/89, a requisição constitui um instrumento de mobilidade pelo qual os funcionários prestam funções transitoriamente, sem ocuparem um lugar do quadro, em organismo ou serviço público diferente daquele a que pertencem, podendo efectuar-se entre os diversos serviços e organismos da Administração central, regional e local, e mesmo entre institutos públicos (vide Paulo Veiga e Moura, em Função Pública – Regime jurídico, direitos e deveres dos funcionários e agentes , 1.º volume, pp. 399-401 e 416-420, da 2.ª edição, da Coimbra Editora). Ora, mantendo os gestores em regime de requisição o seu lugar de origem na função pública, onde regressam após a sua exoneração, compreende-se que a sua indemnização inclua apenas a diferença entre o vencimento de gestor e o seu vencimento no lugar de origem, porque só essa diferença é que, num juízo de previsibilidade, é verdadeiramente perdida com a exoneração. Já relativamente aos gestores sem lugar de ori- gem na função pública, não é possível configurar, num juízo de prognose abstracta, o seu ingresso imediato numa função remunerada, pelo que tem justificação que a sua indemnização consista no recebimento dos vencimentos de gestor perdidos por inteiro. Há ainda que tomar em consideração que a relação de emprego público que os gestores requisitados mantêm após a sua exoneração nos serviços de origem é caracterizada por determinadas limitações que tam- bém explicam as diferenças indemnizatórias em caso de exoneração, relativamente aos gestores que não são sujeitos dessa relação. Na verdade, é a própria Constituição, na redacção resultante da revisão de 1982, que prescreve expres- samente, em matéria de regime da função pública, por um lado, que não é permitida a acumulação de empregos ou cargos públicos, salvo nos casos expressamente admitidos por lei (artigo 269.º, n.º 4), e, por outro lado, que a lei determina as incompatibilidades entre o exercício de empregos ou cargos públicos ou de outras actividades (artigo 269.º, n.º 5). Acresce que esse regime especial em matéria de acumulação de funções também é aplicável aos fun- cionários e agentes da administração local, como a recorrente (artigo 243.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa). É fácil compreender o alcance destes traços específicos do regime da função pública. Conforme assinalam Jorge Miranda/Rui Medeiros em anotação ao artigo 269.º da Constituição “(…) a ratio do n.º 4 encontra-se no princípio da necessária eficácia e unidade de acção da Administração (artigo 267.º, n.º 2). Trata-se de acautelar o cumprimento por parte dos funcionários e agentes das suas tarefas e de, à luz dos princípios de universalidade e de igualdade (artigos 12.º e 13.º), fazer corresponder a cada emprego ou cargo um funcionário ou agente e flanquear o acesso à função pública dos que satisfaçam os correspondentes requisitos…” ( Constituição Portuguesa Anotada , tomo III, p. 623, da edição de 2007, da Coimbra Editora,). Por outro lado, Gomes Canotilho/Vital Moreira ensinam que “(...) a prescrição do n.º 5 traduz uma impo sição legiferante de estabelecimento de incompatibilidades, de modo a garantir não só o princípio da impar- cialidade da Administração (cfr. artigo 266.º, n.º 2) mas também o princípio da eficiência (boa administração).
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