TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

425 ACÓRDÃO N.º 85/10 6. Ora, o que se retira do que antecede permite concluir sobre as questões da proibição da retroactivi- dade e da protecção da confiança colocadas pela ora recorrente. 6.1. No que se refere à problemática da proibição da retroactividade, parece claro que a hipótese de uma qualquer aplicação retroactiva do disposto no artigo 42.º, n.º 3, do CIRC, no caso concreto e nos termos proibidos pelo n.º 3 do artigo 103.º da Constituição – retroactividade própria ou autêntica, ou seja, aplicação de lei nova a factos anteriores à entrada em vigor da lei nova –, não se pode colocar. Na verdade, por um lado, o facto gerador da obrigação – a alienação – ocorre indubitavelmente na vigência da lei nova. Por outro, não é sustentável afirmar a existência de um facto jurídico-fiscal complexo de formação sucessiva. Na verdade, não basta que se verifique uma aquisição anterior e uma alienação posterior para que se possa afirmar a existência de um único facto, embora complexo. A ser assim, qualquer aquisição que, no futuro, próximo ou longínquo, desse origem a uma alienação seria um facto complexo, não obstante serem distintos o primeiro alienante e o segundo adquirente, não obstante o conteúdo da contratação ser diverso na primeira e na segunda alienação, não obstante ocorrer um lapso de tempo mais ou menos prolongado entre tais opera- ções. A intermediação meramente casual de uma pessoa (no caso, o primeiro adquirente/segundo alienante) não pode ser elemento suficientemente capaz de produzir a união de factos que são juridicamente distintos, quer do ponto de vista dos intervenientes, quer, acima de tudo, do ponto de vista da sua substância. Não havendo sequer conexão fáctica entre a aquisição e a posterior alienação – o que, de resto, sendo alegado pela ora recorrente, não surge demonstrado – a aplicação a esta última do regime em vigor no mo- mento em que ela ocorreu, ou seja daquele que resulta da citada disposição legal, não se traduz em nenhuma aplicação retroactiva. 6.2. E quanto à alegada violação da protecção da confiança e da segurança jurídica, também não é possí­ vel sufragar a tese da recorrente. De facto, a protecção das alegadas expectativas invocadas pela ora recorrente jamais pode colidir, nem impedir, o funcionamento do princípio da livre revisibilidade das leis. A menos que os requisitos de protecção da confiança, tal como têm sido reconhecidos e aceites na jurisprudência consti- tucional, estejam integralmente verificados. E, na realidade, não estão. Vejamos. Em primeiro lugar, não se pode dizer que o Estado, através da Administração Fiscal, ao permitir durante certo período a dedução da totalidade das menos-valias obtidas em determinada alienação, possa ter criado uma expectativa de manutenção de idêntico regime para o futuro. Admitir o contrário seria aceitar um princípio de imutabilidade das leis, que se não pode reconhecer. Em segundo lugar, também não se ante­ vê como possa a expectativa da recorrente ser havida como legítima, já que tal implicaria uma como que “proibição de retrocesso” em matéria de deduções fiscais, igualmente inaceitável. Em terceiro lugar, tão- -pouco se pode dizer que a ora recorrente possa ter feito, legitimamente, um plano de vida assente no pressu- posto de continuidade do “comportamento” da Administração Fiscal. Na realidade, afigura-se insustentável afirmar que a ora recorrente ao adquirir as participações sociais em causa o fez no pressuposto de, poste­ riormente, independentemente até de qualquer “proximidade temporal” entre a aquisição e a alienação – que poderá vir a ocorrer décadas após –, as vir a alienar com prejuízo, deduzindo, nesse caso, a totalidade das menos-valias. Em quarto e último lugar, parece existir uma razão de interesse público subjacente à alteração legislativa em causa: obter uma mais justa e equilibrada repartição de encargos fiscais entre as diversas espé- cies de contribuintes, dado que o regime resultante do artigo 42.º, n.º 3, do CIRC, apenas se aplica, por definição, a contribuintes que tenham a natureza de pessoa colectiva ou afim. Não é, assim, possível concluir, como pretende a recorrente, pela violação do “princípio da segurança jurídica, estabelecido no artigo 2.° da Constituição da República Portuguesa”. 7. No que toca à questão da “proibição de tributação por um rendimento presumido” é a própria letra do artigo 104.º, n.º 3, da CRP, que fornece uma resposta segura: «a tributação das empresas incide

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