TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
411 ACÓRDÃO N.º 84/10 A «especial qualificação e sensibilidade da matéria justifica a consagração duma competência concorrente da Assembleia da República e do Governo, que não exclua a possibilidade de intervenção dos representantes directos do povo na sua definição e exija a produção de acto normativo dotado de maiores garantias de participação e sujeito a maior controlo. A actividade de garantir a segurança dos cidadãos, assegurando-lhe o gozo tranquilo das liberdades e direitos que lhes assistem, é demasiado importante no funcionamento do Estado de direito, para que a definição do regime específico de cada um dos organismos que têm essa missão seja deixada a uma normação administrativa», como se lê ainda no já acima citado Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 304/08, considerandos, de resto, reforçados também na declaração de voto expressa pelo Conselheiro Benjamim Rodrigues, ao sublinhar que «a sujeição das medidas de polícia ao princípio da tipi- cidade legal colhe o seu último fundamento no princípio democrático: no princípio que demanda que sejam representantes do povo, sujeitos a escrutínio político e parlamentar, a eleger as medidas de polícia, na medida em que a utilização destas é susceptível de restringir os direitos e liberdades dos cidadãos que representam». Ora, entre os actos de polícia que traduzem restrições de direitos fundamentais conta-se sem dúvida a detenção. No caso dos autos a arguida, ora recorrente, chegou a ser detida pela ASAE, tendo sido também esta autoridade que a libertou, mediante a notificação logo assegurada para comparecer no dia seguinte no Tribunal de Almada para ser submetida a julgamento em processo sumário, ao abrigo do disposto no artigo 385.º, n.º 3, do CPP. E tal como a libertou ao fim de apenas uma hora, poderia tê-la mantido detida, ao abrigo do disposto no n.º 1 da mesma disposição legal, se houvesse razões para crer que não se apresentaria perante a autoridade judiciária no prazo indicado. Razões necessariamente apreciadas pela ASAE, na quali- dade de órgão de polícia criminal que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 274/2007 (artigo 15.º). Não se diga, assim, que pelo facto de a actuação da ASAE no âmbito do processo penal se inserir numa actividade de órgão de polícia criminal, esta surgir sempre subordinada à direcção de uma autoridade judi- ciária. Uma tal afirmação ignoraria todo o campo de actuação cautelar deixado aos órgãos de polícia criminal também no âmbito do inquérito criminal com incidência nos direitos fundamentais dos visados. E é neste ponto que reside, indubitavelmente, a justificação para a imposição de acto legislativo: a essencialidade da matéria a regular traduzida no impacto da actividade policial na esfera de liberdade dos cidadãos. Impõe-se, assim, concluir, mais uma vez, pela inconstitucionalidade orgânica do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 274/2007 também na parte em que confere poderes de órgão e autoridade de polícia criminal à ASAE, em con- jugação com a atribuição que é feita pelo mesmo diploma de competência para prevenir e reprimir certos crimes». 3. Desta decisão foi interposto o presente recurso para apreciação: a) da alínea aa) do n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 274/2007, de 30 de Julho, enquanto atribui competências à Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) para desenvolver acções de natureza preventiva e repressiva em matéria de jogo ilícito, com fundamento em inconstitucionalidade orgânica, face ao disposto na alínea u) do artigo 164.º da Constituição da República Portuguesa (CRP); b) do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 274/2007, de 30 de Julho, na parte em que confere poder de órgãos e autoridade de polícia criminal à ASAE, em conjugação com a atribuição de competências para prevenir certos crimes que lhe é feita no artigo 3.º, n.º 2, alínea aa), do mesmo diploma, com fundamento em inconstitucionalidade orgânica, face ao disposto na alínea u) do artigo 164.º da CRP. 4. Notificado para alegar, o recorrente conclui o seguinte: «1 – Não devendo a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) ser considerada, para efeitos constitucionais, “força de segurança”, não está incluído na reserva de competência absoluta da Assembleia da República, legislar nessa matéria [artigo 164.º, alínea u) , da Constituição]. 2 – A reserva de competência absoluta da Assembleia apenas abrange o regime geral das forças de segurança, não estando aí incluída a matéria de organização e competência de cada força de segurança.
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