TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

405 ACÓRDÃO N.º 83/10 norma em apreço, na parte em que obsta ao seguimento do recurso judicial, quando o recorrente, por insuficiência de meios económicos, não procede ao prévio depósito do quantitativo da coima” já que “o reconhecimento do direito de recorrer aos tribunais seria meramente teórico se não se garantisse que o direito à via judiciária não pode ser prejudicado pela insuficiência de meios económicos”. O raciocínio levado a efeito naqueles indicados Acórdãos é transponível para a questão em análise, não se deixando de vincar que o «pressuposto de acção», que funciona como um ónus sobre a «parte» que deseja, quer o «complemento» da sentença «simplificada» decretadora da insolvência (e esse será o caso a que se refere o n.º 3 do artigo 39.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), quer requerer novo processo de insolvência [o caso a que respeita a alínea d) do n.º 7 do mesmo artigo, que é o que agora nos importa], ónus esse que, em face da norma em apreciação, impõe a adopção de comportamento necessário para o exercício do direito de acção. Ora, tendo em atenção o direito que resulta do n.º 1 do artigo 20.º da Lei Fundamental, é patente que o nor- mativo em causa, nos casos em que o interessado desprovido de condições económicas que lhe permitam efectuar o depósito garantístico do pagamento das custas e das dívidas previsíveis da massa insolvente, pretenda levar a cabo o impulso processual com vista à obtenção de uma decisão judicial comprovativa de que reclamou no processo de insolvência, para, com essa comprovação, poder garantir o pagamento, pelo Fundo de Garantia Salarial, dos seus salá­ rios, incumpridos pela entidade patronal declarada insolvente, traduz uma solução excessiva, desadequada e limita- dora, não só daquele direito, como ainda daqueloutro consignado na alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição. Como tem dito este Tribunal [cfr., verbi gratia , o seu Acórdão n.º 238/97 ( Diário da República , II Série, de 14 de Maio de 1997)], sempre que seja postergada a defesa dos direitos dos particulares e, nomeadamente, o direito de acção, que se materializa através de um processo, é violado o direito fundamental de acesso aos tribunais. É que, a especificidade procedimental imposta pela dita alínea d) do n.º 7 do artigo 39.º, dada a forma como se encontra concebida – e tendo em conta que o sistema jurídico exige que o trabalhador, para efeitos de recebi- mento pelo Fundo de Garantia Salarial dos seus salários não pagos pela entidade patronal insolvente, demonstre ter reclamado esses créditos no processo de insolvência – não permite àquele trabalhador, que seja economicamente desfavorecido, uma concreta conformação na utilização de um regime processual que realize o seu direito ou interesse na percepção daqueles salários (cfr., sobre a conformação de regimes processuais por sorte a que sejam realizados direitos fundamentais, o Acórdão deste Tribunal n.º 348/98, publicado no Diário da República , II Série, de 30 de Novembro de 1998, Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada , Tomo I, p. 176, Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil , 1996, p. 91, e Lopes do Rego, «O Direito Fundamental de acesso aos tribunais», in Estudos sobre a jurisprudência do Tribunal Constitucional , p. 735, Lisboa, 1993).” São estas as razões que o Tribunal Constitucional igualmente perfilha, no presente caso. 6. Assim, decide-se: a) Julgar inconstitucional, por violação do n.º 1 do artigo 20.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º, ambos daConstituição, a norma do artigo 39.º, n.º 3, doCódigo de Insolvência e daRecuperação de Empresas, quando interpretada no sentido de que o requerente do complemento da sentença, quando careça de meios económicos e, designadamente, beneficiar do apoio judiciário na modalidade de isenção da taxa de justiça e demais encargos como processo, se não depositar a quantia que o juiz especificar nemprestar a garantia bancária alternativa não pode requerer aquele complemento de sentença. b) Julgar improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida. Sem custas. Lisboa, 3 de Março de 2010. – Carlos Pamplona de Oliveira – José Borges Soeiro – Gil Galvão – Maria João Antunes – Rui Manuel Moura Ramos.

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