TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
402 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Mas o requerimento de complemento da sentença exige, como já foi dito, o depósito do montante que o juiz especificar para garantir o pagamento das custas e dívidas ou o respectivo caucionamento, mediante garantia bancária. Ora, se o trabalhador não tem meios económicos para fazer tal depósito ou prestar a garantia bancária corres- pondente, fica impedido de aceder aos benefícios a que tem direito por via do Fundo de Garantia Salarial. Tal situação, “afrontaria flagrantemente o princípio ínsito no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual “a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”. O direito de acção é pacificamente entendido como um “direito público” totalmente independente da existência da situação jurídica para a qual se pede a tutela jurídica, “afirmando-se” como existente: ainda que ela na realidade não exista, a afirmação basta à existência do processo, com o consequente direito à emissão da sentença (Lebre de Freitas, in Introdução ao Processo Civil , 1996, p. 79). Quer para o autor, quer para o réu, o direito ao acesso aos tribunais engloba a inexistência de entraves económi- cos ao seu exercício. Tal implica, designadamente, a concessão de apoio judiciário a quem dele careça e a proibição de disposições da lei ordinária que limitem o direito à jurisdição por não satisfação de obrigações alheias ao objecto do processo ( idem , p. 91). Destarte, entendemos que a norma constante do n.º 3 do artigo 39.º do CIRE, quando interpretada no sen- tido de que o requerente do complemento da sentença, quando careça de meios económicos, designadamente, por beneficiar do apoio judiciário na modalidade de isenção de taxa de justiça e demais encargos com o processo, se não depositar a quantia que o juiz especificar nem prestar a garantia bancária alternativa, não pode requerer aquele complemento da sentença, viola o princípio constitucional do acesso ao direito consagrado no citado artigo 20.º, n.º 1, da Constituição. Por isso, ocorrendo essa falta de meios, como no caso presente ocorre, não deve o tribunal aplicar aquela norma” (cfr. o acórdão da Relação do Porto de 26 de Junho de 2007, relatado pelo Sr. Desembargador Emídio José da Costa, in www.dgsi.pt ). Já assim se havia entendido no acórdão da Relação do Porto de 8 de Junho de 2006, relatado pelo Sr. Desem- bargador Fernando Manuel de Oliveira Vasconcelos, no qual se havia entendido que caso a requerente beneficiasse de apoio judiciário, sempre estaria ultrapassado o problema colocado quanto a custas, dado que aquele apoio a dispensaria desse depósito, mas que a questão continuaria premente quanto ao depósito das dívidas previsíveis. No caso vertente, as requerentes comprovaram que foram trabalhadoras da insolvente e que se encontram em situação de desemprego, tendo requerido a concessão do benefício do apoio judiciário. Assim, atenta a sua inconstitucionalidade, decido não aplicar o estatuído no artigo 39.º, n.º 3, do CIRE, dis- pensando as requerentes do depósito e caucionamento ali referidos. Notifique. [...]» 2. É desta decisão que o Ministério Público interpõe recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nos artigos 70.º, n.º 1, alínea a) , e 72.º, n. os 1, alínea a) , e 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), nos seguintes termos: A Magistrada do Ministério Público nesta comarca, nos autos supra referenciados, não se confor- mando com o teor da sentença datada de 15 de Julho de 2009, no âmbito da qual a Mm.ª Juiz recusou a aplicação do artigo 39.º, n.º 3, do CIRE, considerando esta norma inconstitucional por violação do dis- posto no artigo 20.º, n.º 1, da CRP, vem nos termos dos artigo 70.º, n.º 1, alínea a) , da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi introduzida pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, interpor recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional. Assim e por ter legitimidade e estar em tempo, requer se admita o presente recurso obrigatório nos termos dos artigos 72.º, n.º 1, alínea a) , e n.º 3, 75.º e 75.º-A, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi introduzida pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro.
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