TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

398 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Ora, a mera instauração da acção de investigação teria naturalmente como efeito impedir que o investi- gado voltasse a ter com o investigante o tipo de relação que com ele mantivera anteriormente, porquanto a situação de litigância se não apresenta, obviamente, como favorável a um tal reatamento» A este argumento – o de que o “impedimento moral” (que fundamenta a previsão de um prazo de cadu­ cidade mais longo que o prazo-regra) se mantém presente após a cessação voluntária do tratamento como filho e permanece durante um longo período de tempo ou mesmo, em certos casos facilmente conjecturáveis, durante toda a vida do investigado – há ainda que acrescentar uma outra razão demonstrativa da limitação excessiva de tal prazo e respeitante ao termo inicial do mesmo. O prazo de 1 ano em questão começa a contar da “cessação voluntária do tratamento como filho” pelo pretenso pai. É sabido que o tratamento de alguém como filho se traduz numa série de actos e atitudes do pretenso pai, destinados a prestar a investigante um mínimo de assistência material, afectiva e moral (cfr., neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 5 de Dezembro de 1991, Processo 081214). A “cessação” de tal tratamento consubstanciar-se-á também numa sucessão de actos ou atitudes – ou, muitas vezes, de meras omissões – demonstrativas, não só de que o investigado já não beneficia de tal assistência (cessação do tratamento como filho), mas também de que o investigante teve intenção de fazer cessar essa assistência (cessação voluntária). Daqui se extrai sem esforço a dificuldade em demonstrar o momento exacto em que cessou o tratamento voluntário como filho. Embora a prova do esgotamento do prazo de caducidade incumba ao investigado (artigo 1817.º, n.º 6, do CC, na redacção da Lei n.º 21/98), o certo é que estas circunstâncias agravam a exiguidade do prazo em questão. Em rigor, obrigam o investigado a, por cautela, agir judicialmente ao primeiro sinal de cessação voluntária do tratamento como filho, sob pena de deixar esgotar o curto prazo de 1 ano. Ou seja, nas palavras do citado voto de vencido, «obriga-se o investigante a tentar obter por via de um litígio o que ele, muito humanamente procurará obter por via de um acto volun- tário, tanto mais quanto já beneficiou do tratamento como filho por parte do investigado». Em suma, a norma constante do n.º 4 do artigo 1817.º do CC (na redacção da Lei n.º 21/98, de 12 de Maio), aplicável por força do artigo 1873.º do mesmo Código, na medida em que prevê, para a proposição da acção de investigação de paternidade, o prazo de um ano a contar da data em que tiver cessado voluntaria­ mente o tratamento como filho, traduz uma restrição desproporcionada ao direito fundamental à identidade pessoal, em violação do disposto nos artigos 26.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da Constituição. III — Decisão Pelo exposto, acordam em: a) Julgar inconstitucional, por violação dos artigos 26.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da Constituição, a segundaparte da norma constante do n.º 4 do artigo 1817.º do CC (na redacção da Lei n.º 21/98, de 12 de Maio), aplicável por força do artigo 1873.º do mesmo Código, na medida em que prevê, para a proposição da acção de investigação de paternidade, o prazo de um ano a contar da data em que tiver cessado voluntariamente o tratamento como filho; b) Consequentemente, negar provimento ao recurso. Lisboa, 4 de Fevereiro de 2010. – Joaquim de Sousa Ribeiro – Benjamim Rodrigues – João Cura Mariano – Rui Manuel Moura Ramos. Anotação: 1 – Acórdão publicado no Diário da República, II Série, de 8 de Março de 2010. 2 – Acórdãos n. os 99/88, 451/89, 370/91, 694/95, 506/99, 456/03, 486/04, 23/06 e 626/09 estão publicados em Acórdãos , 11.º, 13.º, Tomo II, 20.º, 32.º, 44.º, 57.º, 60.º, 64.º e 76.º, respectivamente.

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