TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
397 ACÓRDÃO N.º 65/10 invocação do direito ao livre desenvolvimento da personalidade do progenitor para fundamentar um direito do progenitor a não assumir o estatuto (Rafael Vale e Reis , ob. cit. , pp. 207-208). Em suma, como se lê no Acórdão n.º 626/09, a «desvalorização de todas as referidas razões que vinham justificando a previsão de limites temporais, relativamente ao exercício do direito de investigação e reconhe- cimento de paternidade, e a ausência de quaisquer outras razões reportadas a outros direitos e interesses cons titucionalmente protegidos, determinou que se começasse a considerar insustentável continuar a alegar a não inconstitucionalidade dos prazos de caducidade estabelecidos nos artigos 1817.º e 1873.º do CC». 10. O prazo de caducidade de um ano a contar da cessação do tratamento como filho Independentemente de saber se a previsão de um prazo de caducidade continua ao serviço da tutela de direitos ou interesses constitucionalmente relevantes (no sentido de que deixou de estar ao serviço da tutela de tais direitos ou interesses vide, designadamente, Rafael Vale e Reis, ob. cit. , pp. 207 e segs.) ou de se saber se é medida necessária (ou seja, conforme ao princípio da exigibilidade, incluído no princípio da proporcio- nalidade, em sentido amplo) à tutela dos interesses que se contrapõem ao do investigante, o certo é que o prazo aqui concretamente em questão (prazo de 1 ano, consagrado no n.º 4 do artigo 1817.º, na redacção anterior à Lei n.º 14/2009) não passa o teste da proporcionalidade (“em sentido estrito”). Vejamos porquê. Nos Acórdãos n. os 99/88 e 370/91 o Tribunal Constitucional pronunciou-se sobre a norma ínsita no n.º 4 do artigo 1817.º do CC, no sentido da não inconstitucionalidade do prazo aí fixado. Já vimos, no entan- to, que a fundamentação de tais Acórdãos não é a adoptada na jurisprudência mais recente do Tribunal, sobre esta matéria, sendo certo que, da nossa parte, subscrevemos a orientação fixada desde o Acórdão n.º 486/04. Na economia do artigo 1817.º, o prazo de 1 ano previsto no n.º 4, in fine , constitui um alargamento do prazo-regra fixado no n.º 1. As razões subjacentes são as resultantes da “compreensão das realidades práticas da vida”, assim resumidas por Antunes Varela (em Pires de Lima/ Antunes Varela, Código Civil Anotado , V, cit ., pp. 84/85): «Se o filho, nascido fora do casamento, for todavia tratado como tal pelo seu verdadeiro progenitor, embora este não figure no assento de nascimento nessa qualidade ou nem sequer haja no registo assento do seu nascimento, parece evidente que não existe, na esfera das suas recíprocas relações, nenhuma necessidade prática de determinação da relação de filiação, nem sequer ambiente propicio para a instauração da acção judicial. Um tal ambiente e a correlativa necessidade só surgem normalmente a partir do momento em que cessa o tratamento prestado ao investigante pelo seu pretenso progenitor. E daí que a lei, muito judiciosamente, para não fomentar a guerra em ambiente que era de paz familiar, só a partir do momento de ruptura inicie a contagem do prazo dentro do qual a acção deve ser proposta, sob pena de caducidade.» Ora, precisamente pelas razões que fundamentaram a previsão de um prazo “mais alargado” para as situações em que o investigante beneficiava do tratamento como filho, se tem de concluir que o prazo de 1 ano a contar da cessação voluntária desse tratamento é, à luz dos critérios de proporcionalidade e adequa- ção exigidos pelo artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, manifestamente insuficiente e desadequado. Como desde logo salientou Luís Nunes de Almeida, no voto de vencido aposto no Acórdão n.º 99/88 (e renovado no Acórdão n.º 370/91), «sendo o investigante tratado como filho pelo pretenso pai, e ces- sando, por qualquer razão, de forma abrupta, esse tratamento, é perfeitamente compreensível que o mesmo investigante mantenha durante um lapso de tempo relativamente longo a legítima esperança de ver reatado o relacionamento anteriormente havido como seu presumido progenitor. É que, em muitos casos, a cessação do tratamento será ocasionada por eventuais zangas ou motivos ocasionais que, no domínio das relações familiares, têm normalmente tendência a resolver-se com o mero decurso do tempo.
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