TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

396 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL uma situação de incerteza quanto à sua paternidade, a que se junta o argumento de que uma acção de inves- tigação tardiamente intentada visa frequentemente fins exclusivamente patrimoniais (de “caça à herança”). Como salienta Guilherme de Oliveira (“Caducidade das acções…”, ob. cit. , p. 10), a garantia de segurança jurídica nesta matéria tem sentido, essencialmente, no âmbito patrimonial. E não se coloca da mesma forma, se tivermos em consideração a posição do pretenso progenitor ou a posição dos seus herdeiros. Quanto ao pri- meiro, ainda que esteja em causa uma situação em que é «surpreendido com as consequências de um “acidente” passado há muito tempo, dir-se-á que tem sempre de assumir as responsabilidades, porque mais ninguém o pode fazer no lugar dele». Como também salienta este Autor, o perigo de as acções serem tardiamente intentadas por razões pura- mente egoísticas, embora não tenha desaparecido, perdeu muita da sua importância face à alteração da estrutura social e da riqueza, não tendo qualquer valia em situações em que a acção é intentada entre autores e réus com meios de fortuna semelhantes ou num momento em que o investigante não tem pretensões materiais, porque já não está em condições de formular pretensões de natureza alimentar e ainda não terá pretensões de natureza sucessória. Outras situações há, ainda, em que tais pretensões materiais são irrelevantes porque, pura e simples- mente, o investigado não tem bens (ou não os tem em valor significativo). Quanto aos herdeiros, o sistema jurídico não tem uma preocupação absoluta com a sua segurança patrimonial e com a tutela das suas legítimas expectativas, bastando lembrar que qualquer herdeiro preterido pode intentar uma acção de “petição da herança”, a todo o tempo, com a consequente restituição de todos os bens da herança ou de parte deles, contra quem os possua como herdeiro (artigo 2075.º do CC). Ainda a respeito dos herdeiros do pretenso pai, não deixa de ser impressivo confrontar o prazo de que dis- põe o sucessível para aceitar a herança – 10 anos, a contar em regra, do conhecimento de haver sido chamado à herança (artigo 2059.º, n.º 1, do CC) – com os prazos previstos no artigo 1817.º do CC, concretamente, com o prazo de 1 ano aqui em questão. O que significa que, para além do universo dos sucessíveis (legais ou voluntários) ser naturalmente indefinido em vida do “de cujus”, mesmo após a sua morte, e até ao esgotamento daquele prazo de 10 anos, fica em aberto o universo de herdeiros de entre os sucessíveis chamados à herança. Para sintetizar esta questão da “segurança patrimonial”, relembre-se o que a respeito se diz no Acór­ dão n.º 486/04, a propósito do prazo constante do n.º 1 do artigo 1817.º (na redacção anterior à Lei n.º 14/2009): «pode duvidar-se de que o pretenso progenitor mereça uma protecção da segurança da sua vida patrimonial que justifique a regra de exclusão do direito do investigante, logo a partir dos vinte anos e sem con­ sideração de outras circunstâncias, a saber que é o seu pai. É que não pode conceder-se a uma certeza ou segurança “patrimonial” de outros filhos, ou do pretenso progenitor, relevância decisiva para excluir o direito, eminentemente “pessoal” e que integra uma dimensão fundamental da personalidade, a saber quem é o pai ou a mãe biológicos.» Outra razão esgrimida como justificadora do regime de prazos é o direito do pretenso pai à reser- va da intimidade da vida privada e familiar, que resultaria afectado pela revelação de factos tidos por comprometedores. Também este ponto carece de uma leitura actualizada. Já não poderão servir de justificação as razões anteriormente invocadas de protecção da paz e harmonia da família conjugal constituída pelo pretenso pai, pois, não só essas eram razões que serviam de base às antigas limitações da acção de investigação, banidas, por imposição constitucional, após a reforma de 1977 [cfr., a este respeito, o Acórdão n.º 694/95, que julgou inconstitucionais as normas dos artigos 1860.º, alínea e) , e 1864.º, primeira parte, da versão originaria do CC de 1966, relativas ao requisito da sedução como pressu- posto de admissibilidade da acção de investigação da paternidade], como tal protecção conduziria ao resultado inadmissível de conferir maior protecção, contra potenciais investigantes, ao “investigado casado”, comparati- vamente com o “investigado solteiro” (cfr. Acórdão n.º 486/04). Por outro lado, como é salientado no Acórdão n.º 486/04, uma «alegada “liberdade-de-não-ser-conside­ rado-pai”, apenas por terem passado muitos anos sobre a concepção, ou um interesse em eximir-se à respon- sabilidade jurídica correspondente, determinada fundamentalmente pelo “princípio da verdade biológica” que inspira o nosso direito da filiação, não podem considerar-se dignos de tutela, pelo menos, a ponto de sacrificar o direito do filho a apurar e ver judicialmente declarado que é o seu pai.» Neste sentido, não será atendível a

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