TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
395 ACÓRDÃO N.º 65/10 aos vinte anos de idade, do direito a saber quem é o pai, se apresentam claramente desproporcionados em relação às desvantagens eventualmente resultantes, para o investigado e sua família, da acção de investigação (quer esta proceda – caso em que só será mais evidente a falta de justificação para invocar estes interesses –, quer não), como são possíveis, como se disse, alternativas, quer ligando o direito de investigar às reais e concretas possibilidades investigatórias do pretenso filho, sem total imprescritibilidade da acção (por exemplo, prevendo um dies a quo que não ignore o conhecimento ou a cognoscibilidade das circunstâncias que fundamentam a acção), quer para obstar a situações excepcionais, em que, considerando o contexto social e relacional do investigante, a invocação de um vínculo exclusivamente biológico possa ser abusiva, não sendo de excluir, evidentemente, o tratamento destes casos-limite com um adequado “remédio” excepcional (seja ele específico – cfr. o regime referido do CC de Macau – ou geral, como o abuso do direito, considerando-se ilegítimo desprezar os efeitos pessoais a ponto de se considerar a paternidade como puro interesse patrimonial, a “activar” quando oportuno).» Em suma, e na linha da orientação fixada desde o citado Acórdão n.º 486/04, é de concluir que a previsão de um prazo de caducidade para intentar a acção de investigação constitui um “limite” ao exercício do direito fundamental em causa que, na prática, significa negar a possibilidade ao investigante de conhecer e ver reconhecida a sua “historicidade pessoal” após o decurso de tal prazo. Pois, como já se salientou no Acórdão n.º 626/09, no actual ordenamento jurídico português, a acção de investigação de paternidade constitui «o único meio destinado à efectivação do direito fundamental ao conhecimento da ascendência biologicamente verdadeira». 9. As razões subjacentes à fixação de um prazo de caducidade da acção de investigação Sendo pacífico que o legislador pode conformar o exercício do direito fundamental aqui em causa em função de outros interesses ou valores constitucionalmente relevantes, torna-se determinante perceber quais as razões que, hoje, podem justificar a necessidade de se preverem prazos limitativos da acção de investigação. Como é salientado, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência deste Tribunal, os dados do problema mudaram significativamente desde a aprovação do CC de 1966. Para além das mudanças no ordenamento jurídico, principalmente ao nível constitucional, a que já se foi aludindo, sofreram significativa evolução os elementos sociológicos e científico-técnicos que rodeiam esta questão. Precisamente à luz deste novo contexto, a doutrina (cfr., por todos, Guilherme de Oliveira, “Cadu cidade…”, cit ., pp. 7 e segs.) e a jurisprudência constitucional (vide, principalmente, o citado Acórdão n.º 486/04) têm “desmontado” as razões – de progressivo “envelhecimento” das provas, de segurança jurí dica do pretenso pai e seus herdeiros e de prevenção da “caça às fortunas” – tradicionalmente invocadas como justificativas da previsão de prazos de caducidade da acção de investigação. Está totalmente afastado o risco de “envelhecimento” das provas. Contrariamente ao que acontecia ao tempo da Reforma de 1977, em que só se dispunham em Portugal de meios de prova que “excluíam” a paternidade (ou a maternidade), os meios de prova técnico-científicos hoje disponíveis permitem, mesmo após a morte, estabelecer uma percentagem de probabilidade de se ser o pai biológico (ou a mãe biológica) superior a 99,5%, o que, de acordo com as perícias médico-legais, corresponde a uma “paternidade pratica- mente provada” [como é salientado por J. P. Remédio Marques, “Anotação ao Acórdão do Tribunal Consti- tucional n.º 486/04 (caducidade de acção de investigação de paternidade)”, in Jurisprudência Constitucional , 4, Outubro-Dezembro, 2004, pp. 40-50, 47]. Assim, a justificação relativa à prova perdeu todo o seu valor, atenta a actual eficácia e generalização das provas científicas. Note-se que a esta conclusão não obsta o facto de o investigado (ou os seus familiares) poder recusar a realização do vulgarmente designado teste de ADN. Pois, nesse caso, o investigado não merece protecção perante uma situação de incerteza (“objectiva”, que não jurídica, atentas as presunções de prova constantes do artigo 1871.º do CC) por ele próprio criada. Suplantadas as dúvidas quanto à possibilidade de provar objectivamente a filiação, fica a questão da “segurança jurídica”, traduzida no interesse do progenitor em não ver indefinida ou excessivamente protelada
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