TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

394 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL “consciência” que cada um tem de si); e, sendo assim, não se vê como possa deixar de pensar-se o direito a conhecer e ver reconhecido o pai (…) como uma das dimensões dos direitos constitucionais referidos [direitoà integridade pessoal, em especial, à integridade moral, e direito à identidade pessoal – artigos 25.º, n.º 1, e 26.º, n.º 1, da CRP], em especial do direito à identidade pessoal, ou uma das faculdades que nele vai implicada.» Sendo o direito ao conhecimento e ao reconhecimento da paternidade decorrência, nomeadamente, do “direito à identidade pessoal”, beneficia do regime constitucional dos direitos, liberdades e garantias, só podendo ser restringido nas condições estabelecidas nos n. os 2 e 3 do artigo 18.º da Constituição. Como resulta claro do Acórdão n.º 99/88, a posição inicialmente defendida pelo Tribunal Constitucional no sentido da conformidade constitucional dos prazos previstos para a acção de investigação, baseava-se no duplo fundamento de que, por um lado, tais prazos constituíam mero “condicionamento” do exercício do direito de investigar e não propriamente uma “restrição” ao direito à identidade pessoal (posição contestada, desde logo, no voto de vencido do Conselheiro Luís Nunes de Almeida); e, por outro, na consideração de que, mesmo aceitando que a distinção entre condicionamento e restrição é “fundamentalmente prática” e, muitas vezes, é apenas “um problema de grau ou de quantidade” (seguindo o ensinamento de Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976 , 4.ª edição, Coimbra, 2009, p. 210, n.º 51), sempre se mantinha a justeza da conclusão à luz de um critério de adequação e proporcionalidade, pelas razões assim resumidas no citado aresto: «Tudo está em que, face ao direito do filho ao reconhecimento da paternidade, se perfilam outros direitos ou interesses, igualmente merecedores de tutela jurídica: em primeiro lugar, e antes de mais, o interesse do pretenso progenitor em não ver indefinida ou excessivamente protelada uma situação de incerteza quanto à sua paternidade, e em não ter que contestar a respectiva acção quando a prova se haja tornado mais aleatória; depois, um interesse da mesma ordem por parte dos herdeiros do investigado, e com redobrada justificação no tocante à álea da prova e às eventuais dificuldades de contraprova com que podem vir a confrontar-se; além disso, porventura, o próprio interesse, sendo o caso, da paz e harmonia da família conjugal constituída pelo pretenso pai. É o equilíbrio entre o direito do filho e este conjunto de interesses que normas como as dos n. os 3 e 4 do artigo 1817.º do CC visam assegurar, sem que se possa dizer que o façam de modo desproporcionado (isto é, com excessivo sacrifício daquele direito) – quer consi- derado o estabelecimento, em si, de prazos de caducidade, quer considerada a duração de tais prazos. E como todos os interesses em presença não deixam igualmente de encontrar ressonância constitucional – seja ainda nos artigos 25.º, n.º 1 (integridade moral), e 26.º, n.º 1 (direito à reputação e à reserva da intimidade da vida privada e familiar), seja no artigo 67.º (protecção da família), seja só no valor da segurança e certeza do direito, já que a tal valor objectivo, que intimamente se conexiona com o direito à protecção jurídica (artigo 25.º), não pode negar-se semelhante dignidade num Estado justamente ‘de direito’ – eis como não pode ver-se excluída pela Constituição a solução consagrada pelo legislador nos preceitos questionados.». Este entendimento foi abandonado no Acórdão n.º 486/04 (cuja fundamentação serviu de base à declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral constante do Acórdão n.º 23/06). Aí, partiu-se de uma análise substancial sobre se o tipo de limitação em causa, pela gravidade dos seus efeitos e pela sua justificação, é ou não actualmente aceitável, à luz do princípio da proporcionalidade, e após exame das justificações avançadas para a exclusão do direito a investigar a paternidade depois dos vinte anos de idade do pretenso filho, conclui-se que o regime constante do artigo 1817.º, n.º 1, do CC (na redacção anterior à Lei n.º 14/2009) não é constitucionalmente admissível, por violação da exigência de proporcionalidade ( latu sensu ) consagrada no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, pelas razões assim resumidas: «(…) pelo menos no actual contexto, tal regime passou a traduzir uma apreciação manifestamente incorrecta dos interesses ou valores em presença, em particular, quanto à intensidade e à natureza das consequências que esse regime tem para cada um destes: não só os prejuízos, designadamente não patrimoniais, que advêm da perda,

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