TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

393 ACÓRDÃO N.º 65/10 Já em 1999, o Provedor de Justiça, na Recomendação n.º 36/B/99, recomendava a alteração da legislação no sentido de «a par da existência de prazo para propositura de acções com fins patrimoniais, ser consagrada a imprescritibilidade para a propositura das acções de investigação de paternidade/maternidade, desde que os efeitos pretendidos sejam de natureza meramente pessoal». A solução da imprescritibilidade das acções de investigação é também defendida, actualmente, por parte significativa da doutrina portuguesa - cfr. Guilherme de Oliveira, “Caducidade das acções de investigação”, cit. , pp. 7 e 13, onde o autor clarifica que mudou de posição relativamente ao que defendia anteriormente; Jorge Duarte Pinheiro, “Inconstitucionalidade do artigo 1817.º, n.º 4, do CC – anotação ao Acórdão do Tri- bunal da Relação de Coimbra de 19 de Outubro de 2004, Proc. 718/04”, in Cadernos de Direito Privado , 13, Janeiro/Março 2006, pp. 51-71, 69, e Rafael Vale e Reis, O Direito ao Conhecimento das Origens Genéticas , Coimbra, 2008, pp. 207 e segs., maxime 214 e 494. Os referidos Autores reconhecem que, pelo menos em casos limite, a ausência de prazos traz o inconve- niente de permitir a proposição tardia da acção com vista apenas à obtenção de benefícios patrimoniais, mas divergem quanto à forma de paralisar o exercício abusivo do direito a investigar a maternidade e paternidade. As soluções avançadas são o recurso ao instituto do abuso de direito (artigo 334.º do CC) ou a outra solução tributária do mesmo princípio (Guilherme de Oliveira, “Caducidade…”, cit. , p. 13); ou uma solução legal que permitisse o afastamento judicial dos efeitos patrimoniais do vínculo (sucessórios e de alimentos), desde que assente na exigência do preenchimento de pressupostos legais rigorosos, nomeadamente, na demonstra- ção de que a acção foi intentada com um atraso irrazoável e que, através dela, o autor apenas quis obter van- tagens patrimoniais, pelo que a limitação dos efeitos resultaria de factos censuráveis, provados no processo, e imputáveis ao filho/autor (neste sentido Rafael Vale e Reis, ob. cit , pp. 210-212); ou uma determinação que confine o artigo 1817.º à disciplina do prazo para a proposição de uma acção de investigação com efeitos sucessórios (Jorge Duarte Pinheiro, ob. cit. , p. 71). A recente Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, veio alterar o artigo 1817.º do CC, mas persistiu na previsão de prazos de caducidade do direito de investigar, limitando-se a alargar o respectivo limite temporal (o prazo- -regra constante do n.º 1 passou para 10 anos e os prazos especiais, previstos nos n. os 2 a 5 do artigo 1817.º, passaram para 3 anos). Aquando da aprovação desta lei, foi rejeitado o Projecto de Lei n.º 178/X, de 2002, apresentado pelo partido “Os Verdes”, no qual, renovando anteriores iniciativas e louvando-se na referida Recomendação do Provedor de Justiça, se proponha consagrar a possibilidade de propor a acção de investi- gação a todo o tempo, desde que os efeitos pretendidos fossem de natureza meramente pessoal. No presente recurso apenas está em causa a constitucionalidade da específica limitação constante da norma do n.º 4 do artigo 1817.º, na redacção anterior à Lei n.º 14/2009, não cabendo a este Tribunal apontar qual a solução desejável de entre as várias constitucionalmente admissíveis. Este excurso só releva na medida em que faz presentes linhas valorativas que podem influir na apreciação da questão a decidir. 8. O direito fundamental a investigar a paternidade Em matéria do direito a investigar a paternidade (e a maternidade) relevam as exigências constitucionais em matéria de direito da família, concretamente, o “direito de constituir família” (artigo 36.º, n.º 1) e a citada “proibição de discriminação dos filhos nascidos fora do casamento “(artigo 36.º, n.º 4). Mas o parâmetro constitucional mais significativo para a análise do regime de caducidade das acções de investigação é o direito à identidade pessoal, ou seja, o “direito à historicidade pessoal” (na expressão de Gomes Canotilho/ Vital Moreira in Constituição da República Portuguesa Anotada , I, 4.ª edição, Coimbra, 2007, p. 462) consagrado, de entre outros direitos de personalidade, no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição. Logo no Acórdão n.º 99/88 o Tribunal Constitucional afirmou que «a “paternidade” representa uma “referência” essencial da pessoa (de cada pessoa), enquanto suporte extrínseco da sua mesma “individualida­ de” (quer ao nível biológico, e aí absolutamente infungível, quer ao nível social) e elemento ou condição determinante da própria capacidade de auto-identificação de cada um como “indivíduo” (da própria

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