TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
392 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL A reforma de 1977, dando cumprimento, além do mais, ao princípio constitucional da não discrimina- ção entre filhos, independentemente de os progenitores estarem ou não casados (artigo 36.º, n.º 4), operou mudanças significativas no regime das acções de investigação, nomeadamente, adoptando o princípio da livre investigação da paternidade fora do casamento (eliminando as “condições de admissibilidade” da acção previstas na versão originária do CC) e estabelecendo um regime de presunções da relação biológica de paternidade (artigo 1871.º). Mas no que respeita aos prazos de caducidade das acções de investigação man- teve, no essencial, o regime de 1966 (artigos 1817.º e 1873.º). Segundo Guilherme de Oliveira (“Caducidade das acções de investigação”, in Lex Familiae, Revista Portuguesa de Direito da Família , Ano 1, n.º 1 , Coimbra, 2004, pp. 7-13, 9), a Comissão encarregue da reforma «terá pensado que a limitação resultante da caduci- dade não retirava ao pretenso filho uma ampla liberdade de intentar a acção – aliás em condições de passar a beneficiar, muitas vezes, de uma presunção legal – de tal modo que não se podia dizer que essa restrição afectava o conteúdo essencial do direito fundamental.». Posteriormente, a Lei n.º 21/98, de 12 de Maio, veio explicitar certos aspectos do regime (clarifican- do que no âmbito do n.º 4 do artigo 1817.º só releva a cessação “voluntária” do tratamento como filho e fixando regra expressa quanto à repartição do ónus da prova do decurso do prazo de proposição da acção) sem, contudo, alterar os prazos já constantes do artigo 1817.º, que assim se mantiveram desde a versão originária do CC até à recente aprovação da Lei n.º 14/2009. O entendimento de que o regime da caducidade previsto no CC era compatível com os princípios constitucionais foi também defendido pelo Tribunal Constitucional, numa primeira fase, com base, designa damente, no fundamento, entretanto abandonado, de que os prazos de caducidade eram meros “condicio namentos”, e não verdadeiras “restrições”, do direito de investigação inerente ao direito fundamental à iden- tidade pessoal (cfr. os Acórdãos n. os 99/88, 413/89, 451/89, 370/91, 311/95 e 506/99). Posteriormente, o Tribunal inverteu a sua jurisprudência nesta matéria: pelo Acórdão n.º 456/03 julgou inconstitucional a norma do n.º 2 do artigo 1817.º (enquanto impede a investigação de paternidade em fun- ção de um critério de prazos objectivos, nos casos em que os fundamentos e as razões para instaurar a acção de investigação surgem pela primeira vez em momento ulterior ao termo daqueles prazos); e pelo Acórdão n.º 486/04 julgou inconstitucional a norma do n.º 1 do mesmo preceito (na medida em que prevê a extinção do direito de investigar a paternidade, em regra, a partir dos vinte anos de idade). A nova orientação jurisprudencial culminou no Acórdão n.º 23/06, que declarou a inconstitucionali- dade, com força obrigatória geral, da norma constante do n.º 1 do artigo 1817.º do CC, aplicável por força do artigo 1873.º do mesmo Código, na medida em que prevê, para a caducidade do direito de investigar a paternidade, um prazo de dois anos a partir da maioridade do investigante, por violação das disposições conjugadas dos artigos 26.º, n.º 1, 36.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa. Mais recentemente, o Acórdão n.º 626/09, julgou inconstitucional a norma constante do n.º 3 do artigo 1817.º do CC (redacção do Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro), quando interpretado no sentido de estabelecer um limite temporal de 6 meses após a data em que o autor conheceu ou devia ter conhecido o conteúdo do escrito no qual o pretenso pai reconhece a paternidade, para o exercício do direito de inves- tigação da paternidade. Os Acórdãos citados não censuraram a existência de prazos de caducidade, mas apenas consideraram constitucionalmente desconforme o prazo concreto aí em questão, por inviabilizar ou dificultar excessiva- mente a possibilidade de o interessado averiguar o vínculo de filiação natural. Mas não pode ser ignorado, na contextualização do problema em apreciação, que a imprescritibilidade das acções de investigação é solução consagrada em ordens jurídicas que nos estão próximas. De facto, como salientado no Acórdão n.º 486/04, ela vigora na Alemanha, Itália, Brasil e Macau (neste território, para os casos de o vínculo produzir apenas efeitos pessoais). Na Suíça prevê-se uma cláusula de salvaguarda para um atraso desculpável na proposição da acção. E, também entre nós, são progressivamente mais as vozes que propugnam a solução de imprescritibilidade.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=