TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

391 ACÓRDÃO N.º 65/10 o tratamento como filho, a acção pode ser proposta dentro do prazo de um ano a contar da data em que o tratamento tiver cessado .» ( itálico nosso). A decisão recorrida recusou a aplicação da segunda parte desta norma, com fundamento em inconsti- tucionalidade, por violação dos “artigos 16.º, n.º 1, 36.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da Constituição”. Em conse- quência desta recusa de aplicação, julgou improcedente a excepção peremptória de caducidade invocada pelo réu na acção. A questão a decidir é, assim, a da constitucionalidade da norma do n.º 4 do artigo 1817.º do CC, enquantoaplicável à acção de investigação de paternidade por força do disposto no artigo 1873.º do mesmo Código, no segmento que, para os casos em que o investigante é tratado como filho pelo pretenso pai, fixa o prazo de caducidade do direito à investigação da paternidade em um ano, a contar da cessação voluntária do tratamento como filho. Redunda manifesto do teor da decisão recorrida que esta se estribou nos mesmos parâmetros constitu- cionais que fundamentaram o Acórdão n.º 23/06, pelo qual o Tribunal Constitucional decidiu declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do n.º 1 do artigo 1817.º do CC, aplicável por força do artigo 1873.º do mesmo Código, na medida em que prevê, para a caducidade do direitode investigar a paternidade, um prazo de dois anos a partir da maioridade do investigante, por viola- ção das disposições conjugadas dos artigos 26.º, n.º 1, 36.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa. É, por isso, notório que a decisão recorrida incorreu em lapso quando se refere ao artigo 16.º, n.º 1, da Constituição (respeitante ao âmbito e sentido dos direitos fundamentais, em geral), pois, na verdade, queria indicar o artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, na parte respeitante ao direito fundamental à identidade pessoal. Assim, a constitucionalidade da norma questionada deve ser analisada, em primeira linha, à luz dos direitos fundamentais à “identidade pessoal “e ao “livre desenvolvimento da personalidade” e do “direito de constituir família”, conjugados com a “regra do carácter restritivo das restrições de direitos, liberdades e ga- rantias” (na expressão de Jorge Miranda, em Jorge Miranda/ Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada , I, Coimbra, 2005, p. 159) – cfr. artigos 26.º, n.º 1, 36.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da Constituição. 7. Os prazos de caducidade do direito de investigar a maternidade e a paternidade É conhecida a evolução do ordenamento jurídico português no que respeita aos limites temporais à investigação da paternidade e da maternidade (uma descrição detalhada dessa evolução legislativa e da sua teleologia pode ler-se, por exemplo, em Guilherme de Oliveira, Critério Jurídico da Paternidade , Coimbra, 1998, pp. 461 e segs.; para uma análise pormenorizada da jurisprudência do Tribunal Constitucional nesta matéria veja-se, nomeadamente, o recente Acórdão n.º 626/09). Importa, no entanto, relembrar alguns aspectos desse desenvolvimento legislativo e jurisprudencial, indispensáveis à análise do prazo que concretamente aqui é questionado. O CC de 1966, na sua versão originária veio encurtar os prazos para a investigação da então denominada “filiação ilegítima”, prevendo que a acção só podia ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dois primeiros anos posteriores à sua emancipação ou maioridade, salvo nos casos especiais em que filho exi- bia um escrito do suposto progenitor ou beneficiava de tratamento como filho (artigo 1854.º). Esta solução procurava combater os inconvenientes apontados ao direito anterior (o Decreto n.º 2, de 25 de Dezembro de 1910, permitia que a acção de investigação da paternidade ou maternidade fosse intentada em vida do pretenso pai ou mãe ou dentro do ano posterior à sua morte, salvo certas excepções), tendo na génese, como razão principal, a «consideração ético-pragmática de combate à investigação como puro instrumento de caça à herança paterna e de estímulo à determinação da paternidade (e, em casos muitíssimo menos frequentes, da maternidade) em tempo socialmente útil.» (cfr. Antunes Varela in Pires de Lima/ Antunes Varela, Código Civil Anotado , V, Coimbra, 1995, p. 83).

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