TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
389 ACÓRDÃO N.º 65/10 Consideramos, pois, que a norma constante do n.° 4 do artigo 1817.° do CC é inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 16.°, n.° 1, 36.°, n.°1, e 18.°, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa.» 3. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional apresentou alegações onde conclui o seguinte: «1. Não há interesse processual em apreciar a questão de inconstitucionalidade da norma desaplicada, o n.° 4 do artigo 1817.° do CC, porque, sendo aplicável aos processos pendentes o regime inovatoriamente definido pela Lei n.° 14/2009, de 1 de Abril, por força da disposição transitória do respectivo artigo 3.°, independentemente do juízo que viesse a ser formulado, sobre a constitucionalidade, tal não teria qualquer repercussão no julgamento da causa. 2. A declaração de inconstitucionalidade, operada pelo Acórdão n.° 23/06, não pode ser interpretada como impli cando um regime de irremediável imprescritibilidade das acções de investigação de paternidade, mesmo quando intentadas após a cessação do tratamento como filho, conduzindo à inconstitucionalidade consequencial do prazo previsto na segunda parte do n.° 4 do artigo 1817.º do CC aplicável por força do artigo 1873.° do mesmo Código. 3. O prazo de um ano, posterior à cessação do tratamento como filho, para a propositura da acção de investi- gação (segunda parte do n.° 4 do artigo 1817.°) é suficiente e adequado para o investigante mover a acção contra o pretenso progenitor, não se perspectivando qualquer obstáculo, objectivo ou subjectivo, relevante a que o autor, com 60 anos de idade, a pudesse ter instaurado tempestivamente, não sendo, por isso, tal norma inconstitucional. 4. Termos em que deverá proceder o presente recurso.» 4. O recorrido contra-alegou, concluindo o seguinte: «I) Aplicar-se ao caso dos autos – acção proposta em 3 de Junho de 2008 – a disposição transitória constante do artigo 3.° da Lei n.º 14/2009 configura uma manifesta violação do princípio constitucional da justiça e da tutela da confiança contidos no princípio do Estado de direito democrático, decorrente do artigo 2.° da Constituição da República Portuguesa; II) Nesta conformidade, não sendo aplicável qualquer prazo de caducidade ao direito de acção que se pretende fazer valer, à data da sua propositura, em 30 de Junho de 2008, deve ser declarada a inconstitucionalidade material do artigo 3.° da Lei n.º 14/2009 e, consequentemente, recusada a aplicação de tal norma ao presente caso; III) O Supremo Tribunal de Justiça – posteriormente ao Acórdão n.° 23/03 deste Tribunal Constitucional – vem invariavelmente decidindo que a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral do prazo previsto no artigo 1817.°, n.° 1, do CC, suprimia todos os prazos, isto é, deixava de sujeitar a qualquer prazo a propositura de uma acção de investigação de paternidade; IV) Assim, a decisão recorrida, que concluiu pela inconstitucionalidade da norma do n.° 4 do artigo 1817.° do CC, como decorrência da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do n.° 1 do mesmo preceito, não merece censura, por estar de acordo com as mais modernas posições quer da jurisprudência, quer da doutrina portuguesas; Nesta conformidade, deve o recurso improceder, com todas as consequências legais.» Tudo visto, cumpre apreciar e decidir. II — Fundamentação A) Questão prévia: (in)utilidade do recurso 5. Nas suas alegações, o Ministério Público questionou a utilidade do presente recurso, invocando, em síntese, que a nova redacção do artigo 1817.º do CC, resultante da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, é aplicável
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