TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
379 ACÓRDÃO N.º 63/10 da Constituição. No essencial, o recorrente entende que a interpretação normativa sob análise, na medida em que impede a reconstituição de carreira a todos os coronéis saneados, sem qualquer excepção, “viola o princípio da igualdade, na vertente de proibição do arbítrio” por duas razões: 1.ª por um lado, a mesma interpretação normativa conduz a que apenas uma parte dos militares da Força Aérea saneados – a saber, os militares de posto inferior a coronel – tem direito à reconstituição da respectiva carreira (tratamento diferente de situações iguais); 2.ª por outro lado, essa interpretação normativa permite que um coronel da Força Aérea que se encontra habili tado com o curso de promoção a oficial general, seja tratado da mesma forma que os coronéis que ainda não têm esse curso (tratamento igual de situações diferentes). 2.2. A reconstituição da carreira No essencial, através da aprovação do Decreto-Lei n.º 330/84, de 15 de Outubro, o legislador ordinário pretendeu reparar os militares que haviam sido objecto de actos de afastamento compulsivo da situação de activo, mediante a revisão da sua situação militar, com eventual reconhecimento do direito à reconstituição da sua carreira, de modo a colocá-los na posição em que se encontrariam se não tivessem sido passados com- pulsivamente à reserva. Esta solução de reconstituição de carreira, como forma de reparação, não constitui nenhuma originali- dade no seio do ordenamento jurídico português. A reconstituição da carreira constitui um efeito jurídico transversal às relações de emprego público e privado, que se revela maxime quando a carreira de um funcionário ou de um trabalhador é interrompida nas situações de invalidade das penas de demissão ou de ilicitude de despedimentos. Há muito que é reconhecido aos funcionários públicos, em caso de declaração judicial da invalidade da pena disciplinar de demissão ou de revisão procedente do processo disciplinar, o direito à reconstituição da carreira ou da situação jurídico-funcional actual hipotética, com consideração das expectativas legítimas de promoção que não se efectivaram por efeito da punição (vide o artigo 85.º, n.º 6, do Estatuto Disci- plinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 191-D/79, de 25 de Junho; o artigo 83.º, n.º 6, do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro; o artigo 173.º, n. os 1 e 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro; os artigos 64.º, n.º 1, alínea c) , e 77.º, n.º 4, alínea a) , do Estatuto Disciplinar dos Trabalha dores da Função Pública, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro). O mesmo efeito jurídico é reconhecido no âmbito das relações jurídico-laborais de direito privado quando à declaração judicial da invalidade do despedimento é associado o direito do trabalhador à reintegra ção na empresa no respectivo cargo ou posto trabalho e com a antiguidade que lhe pertencia [vide o arti- go 12.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 16 de Julho; o artigo 13.º, n.º 1, alínea b) , do Decreto- -Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro; o artigo 436.º, n.º 1, alínea b) , do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto; o artigo 389.º, n.º 1, alínea b) , do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro]. A reconstituição de carreiras passa, necessariamente, como ensina Mário Aroso de Almeida, pela opera- ção intelectual que consiste na “tentativa de apurar de que maneira teria a carreira do funcionário público evoluído sem o acto anulado, para o que deve atender às circunstâncias que existiam e às normas que se encontravam em vigor em cada momento a que teria correspondido cada passo dessa evolução” (in Anulação de actos administrativos e relações jurídicas emergentes , p. 523, da edição de 2002, da Almedina). Nas palavras do próprio legislador do Decreto-Lei n.º 330/84, de 15 de Outubro, o processo de reconstituição de carreira dos militares abrangidos por este diploma “não cria mecanismos e procedimentos de excepção, seguindo ao contrário trâmites idênticos aos estabelecidos nos estatutos e regulamentos militares”
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