TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

368 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL jurisdicional, que o momento do seu exercício possa ser deferido (cfr. Acórdãos n. os 259/00 e 303/03, dis- poníveis em www.tribunalconstitucional.pt ) , como acontece em sede de procedimentos cautelares típicos e atípicos, nestes se inserindo o presente caso. Assim sendo, caberá na discricionariedade do legislador ordinário, “desde que respeite a axiologia cons- titucional,” a opção de, no recorte do sistema das acções judiciais, atribuir às acções cautelares, sempre, uma função instrumental relativamente à acção principal ou, ao invés, em certos casos, “confundir” as duas acções em um só processo, de modo que a tutela seja concedida ab initio a título definitivo, com perda de toda a ideia de instrumentalidade do processo cautelar, ou a tutela definitiva se possa suceder à tutela cautelar. Não existe, em termos constitucionais, qualquer princípio, para além daquele quadro paramétrico, que obrigue a que, na obtenção de “tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações” dos direitos e interesses legalmente protegidos, deva ser seguida uma regra de instrumentalidade necessária da acção cau- telar em relação à acção principal. O julgamento de questões jurídicas fora do processo comum adequado segundo as regras gerais para o conhecimento dos direitos controvertidos, e no âmbito de processo especial concebido para a realização de outros direitos específicos, não constituiu novidade no nosso próprio sistema jurídico, vindo do período pré-constitucional. Na verdade, era o que se passava, no domínio do processo de inventário (processo especial para pôr fim à comunhão hereditária), no Código de Processo Civil de 1962, com o conhecimento das questões relacio- nadas com a falta ou a exclusão da relacionação de bens a partilhar, com a sua sonegação ou com a negação de dívidas activas ou passivas (artigos 1341.º a 1346.º e 1355.º), as quais eram conhecidas no processo de inventário desde que pudessem ser resolvidas em face dos documentos apresentados e de outras provas que os interessados produzissem, sendo os interessados remetidos para o processo comum, na hipótese contrária. Também aqui a questão principal relativa a esses direitos controvertidos poderia ser resolvida enxertada- mente no processo especial e fora do processo comum adequado para o efeito. Mas a antecipação do juízo sobre a causa principal no processo cautelar – com quebra do princípio da instrumentalidade dos procedimentos cautelares - constitui hoje uma possibilidade admitida, em termos gerais, no processo contencioso administrativo (em cuja previsão o legislador do Decreto-Lei n.º 30/2008 se terá, porventura, inspirado). Na verdade no artigo 121.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos prevê-se que “quando a manifesta urgência na resolução definitiva do caso, atendendo à natureza das questões e à gravi- dade dos interesses envolvidos, permita concluir que a situação não se compadece com a adopção de uma simples providência cautelar e tenham sido trazidos ao processo todos os elementos necessários para o efeito, o tribunal pode, ouvidas as partes pelo prazo de 10 dias, antecipar o juízo sobre a causa principal”. A ausência de instrumentalidade formal é, também, um fenómeno constatável no direito processual civil estrangeiro. A este respeito constata Rui Pinto ( A Questão de Mérito na Tutela Cautelar , Coimbra Editora, 2009, pp. 58-59): «(…) II. No direito processual civil estrangeiro conhecem-se no plano das previsões normativas “providências caute- lares autónomas, ou seja, sem instrumentalidade formal” . Assim, note-se que desde 1 de Março de 2006 tomou-se desnecessária a propositura de acção principal após a obtenção de uma providenza d’urgenza do artigo 700.° CPC/It ou de qualquer outra “providência cautelar idónea a antecipar os efeitos da sentença de mérito” e, mesmo a extinção dessa eventual acção de mérito, não determina a ineficácia das providências. É isso que sempre vigorou relativamente ao reféré francês e às einstweilige Verfügungen alemãs (cfr. § 926 ZPO) (210). Mesmo no mero plano de facto , o que sucede com estas últimas é particularmente elucidativo. Há a constata- ção na doutrina alemã (211) de que as einstweiligen Verfügungen tendem a valer como finais, já que frequentemente

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