TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

367 ACÓRDÃO N.º 62/10 De acordo com a mens legislatoris expressa no exórdio do diploma que consagrou esta medida pro- cessual (Decreto-Lei n.º 30/2008, de 25 de Fevereiro), “Evita-se assim a existência de duas acções judiciais – uma providência cautelar e um acção principal – que, materialmente, têm o mesmo objecto: a entrega do bem locado”. Conquanto, expressamente, apenas se acentue, como razão determinante da opção legislativa, o tipo de tutela intencionado pela acção (a entrega do bem locado), é, todavia, a especial natureza das situações que estão em causa e a específica forma como se constituem e se extinguem as correspondentes relações jurídicas que justificam a funcionalidade ambivalente deste instrumento processual. Na verdade, a situação litigiosa sob exame reporta-se a um tipo contratual cujo feixe de obrigações se encontra recortado normativamente em termos objectivos, bem precisados, estando a sua celebração sujeita à forma legal de, pelo menos, documento particular, surgindo, por regra, sob a forma de contrato de adesão (cfr. artigos 1.º e 3.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho). Neste tipo contratual, as obrigações de cada uma das partes, mesmo que particularizadas por adesão, estão bem definidas e os actos das partes tendentes a cumpri-las têm, por regra, expressão documental ( v. g. , celebração do contrato, pagamento da retribuição, comunicações à contraparte). Deste modo, os elementos factuais e probatórios com base nos quais as partes podem deduzir as suas pretensões em juízo são, tendencialmente, bem precisos e, normalmente, do seu conhecimento, logo, desde o momento em que ocorrem. Uma vez obtida a tutela cautelar do direito do credor, sem audição do locatário, através da entrega ime- diata dos bens, assim se evitando o risco do seu extravio ou da sua desvalorização que o decurso dos trâmites próprios de um processo que conhecesse, logo, da causa principal sempre potenciaria, entendeu o legislador ser de aproveitar o processo existente para conhecer da causa principal, na medida em que os elementos de facto nele conhecidos e as provas nele produzidas por ocasião da apreciação do pedido de tutela cautelar sejam potencialmente os mesmos a relevar para a prolação da decisão definitiva. A solução legislativa assenta na ideia de que a resolução definitiva da questão atinente à acção principal não demanda, por regra, a necessidade de outros elementos que não sejam os já ponderados para a prola- ção da decisão cautelar, apenas se impondo conceder às partes a possibilidade de proceder ao seu controlo, mediante a sua audição, momento este não concedível antes do decretamento da providência cautelar para não afectar a plenitude e efectividade da tutela cautelar do direito do locador. Corresponde a uma dimensão do direito de acesso aos tribunais, consagrado do artigo 20.º da Constituição, o direito de acção judicial adequada para fazer valer em juízo os direitos e interesses legalmente protegidos (n.º 5). Segundo a própria formulação constitucional, “para a defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos”. Cabe, assim, na discricionariedade constitutiva do legislador ordinário a previsão e a configuração das acções adequadas à obtenção da tutela judicial. No que importa a tal matéria, as únicas exigências que decorrem daquele direito de acesso aos tribunais são as de que a acção judicial deva propiciar a obtenção de “tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações” dos direitos e interesses legalmente protegidos e que a causa seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo (n.º 4). No direito a um processo equitativo ou a um processo justo, insere-se, como seu vector, o princípio do contraditório, consubstanciado no direito de a parte alegar as suas razões de facto e de direito, de oferecer as suas provas, de controlar as provas do adversário e de discretear sobre o valor e resultados de umas e outras (cfr., entre muitos, Acórdão n.º 249/97, disponível em www.tribunalconstitucional.pt ) . Tal princípio não tem, todavia, a natureza de um direito absoluto, sendo constitucionalmente admis- sível, para realizar outros valores constitucionais, como a celeridade processual (cfr. Acórdão n.º 1193/96, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional , 35.º Vol., pp. 529 e seguintes) e a efectividade da tutela

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