TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

366 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL É claro que pode esgrimir-se a argumentação de que, na formatação desse processo, o legislador pode “tocar” no âmbito de tutela decorrente dos direitos, liberdades e garantias fundamentais que a Constituição consagra. Mas esse “toque” pode quedar-se pela exigência de o legislador, na sua actividade normativo-constitutiva de regulamentação processual, ter de respeitar as normas e princípios constitucionais, entre eles se contando aqueles que consagram direitos fundamentais, como o direito a um processo equitativo, ou atingir o âmbito de tutela próprio desses direitos sujectivados, como sejam a liberdade, a saúde, a autonomia pessoal, etc., etc. A circunstância de, ao legislar sobre a concepção das formas de processo civil e a sua concreta tramitação, o legislador dever obedecer aos parâmetros constitucionais ínsitos no conteúdo do direito de acesso aos tribu- nais, entre eles se contando o respeito pelo princípio do contraditório, do processo equitativo, da igualdade, da celeridade razoável, da prioridade e da tutela plena e efectiva, não demanda que tenha de concluir-se que o legislador está a dispor sobre matéria de direitos, liberdades e garantias inseridas no âmbito competencial do artigo 165.º, n.º 1, alínea b) , da Constituição. Coisa diversa terá de concluir-se nos casos em que, na formatação do regime de processo, venha a afectar-se o âmbito de tutela próprio dos direitos fundamentais. Estas situações não podem deixar de considerar-se abrangidas pelo estatuto dos direitos fundamentais previsto no artigo 18.º, n. os 2 e 3, da Constituição. De tudo resulta, pois, que não procede o fundamento da inconstitucionalidade orgânica. 8.2 – Vejamos, agora, a questão da inconstitucionalidade material. A norma impugnada, constante do artigo21.º, n.º 7, do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 30/2008, de 25 de Fevereiro, dispõe do seguinte modo: «Decretada a providência cautelar, o tribunal ouve as partes e antecipa o juízo sobre a causa principal, excepto quando não tenham sido trazidos ao procedimento, nos termos do n.º 2, os elementos necessários à resolução definitiva do caso.» Este preceito prevê a possibilidade de a relação material, própria da causa principal, ser conhecida de modo definitivo, no procedimento cautelar, nas situações abrangidas pela hipótese da norma (de entrega imediata da coisa locada ao locador em virtude do fim do contrato de locação financeira, por força da sua resolução ou pelo decurso do prazo sem ter sido exercido o direito de compra), excepto “quando não tenham sido trazidos ao procedimento, nos termos do n.º 2 [do mesmo artigo], os elementos necessários à resolução definitiva do caso”. Por seu lado, este n.º 2 estabelece que “com o requerimento [do pedido de providência cautelar de entrega judicial imediata da coisa locada financeiramente], o locador oferece prova sumária dos requisitos previstos no número anterior, excepto a do pedido de cancelamento do registo, ficando o tribunal obrigado à consulta do registo, a efectuar, sempre que as condições técnicas o permitam, por via electrónica”. Destes preceitos, conjugadamente interpretados, resulta que o tribunal, nos casos em que tenha decre­ tado [sem audição do requerido] a providência cautelar de entrega imediata ao locador dos bens locados [a qual é necessariamente precedida de pedido de cancelamento do registo de locação financeira], por virtude do fim do contrato de locação financeira resultante da sua resolução ou do decurso do prazo sem ter sido exercido o direito de compra, conhece, depois de ouvidas as partes, no próprio processo cautelar, de modo definitivo, a questão decidenda no processo principal, salvo naquelas situações em que as partes não tenham trazido ao processo os elementos necessários, entre eles ressaltando, as provas dos factos relevantes para o direito a aplicar, à resolução definitiva do caso. O procedimento cautelar “convola-se”, assim, ope legis , em processo adequado para conhecer de modo definitivo do direito do locador de ver restituídos os bens. O processo passa a prosseguir a funcionalidade própria de uma acção de condenação do locatário dos bens a ver reconhecido o direito do locador de restituição definitiva dos bens locados.

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