TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

365 ACÓRDÃO N.º 62/10 Jorge Miranda começou por defender que só o regime material dos direitos, liberdades e garantias é que se aplicava, por força do artigo 17.º da CRP, a todos os direitos fundamentais enunciados no Título II e aos direitos fundamentais de natureza análoga (1.ª edição do tomo IV do seu Manual de Direito Constitucional , Coimbra Editora, Coimbra, 1988, pp. 144 e 145). Nas 2.ª e 3.ª edições do tomo IV do mesmo Manual (Coimbra Editora, Coimbra, 1993 e 2000, pp. 143-145 e 153-155), o mesmo Autor passou, todavia, a distinguir entre os direitos de natureza análoga constantes do Título I da Parte I (direitos de acesso a tribunal, de resistência, a indemnização do Estado e de queixa ao Provedor de Justiça) e os demais direitos. Quanto aos primeiros, começou a defender que se aplicariam todas as regras constitucionais pertinentes, porque incindíveis dos princípios gerais com imediata projecção nos direitos, liberdades e garantias. Já quanto aos segundos, o Autor manteve a posição de que o artigo 17.º não se reporta senão ao regime material, por duas ordens de razões: por um lado, porque, atenta a inserção sistemática do artigo 17.º na parte do direito constitucional substantivo, precedendo imediatamente regras dessa índole, não se vê como pudesse cobrir também regras orgânicas e de revisão constitucional; depois, porque, se esses direitos estivessem compreendidos na reserva de competência legislativa da alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º (anteriormente 168.º) da CRP, não se compreenderia que no mesmo preceito se previssem especificamente certas reservas que já caberiam naquela “cláusula geral”. Diferentemente doutrina José Carlos Vieira de Andrade, sustentando não existirem razões “para con- cluir que o artigo 17.º não se refere, em princípio, à globalidade do regime, e, pelo contrário, (...) a analogia substancial com os direitos, liberdades e garantias justifica que também os direitos abrangidos gozem dos diversos aspectos desse regime, incluindo as garantias da irrevisibilidade e da protecção resultante da reserva de lei formal”, acrescentando, porém, que “a reserva orgânica do Parlamento não é, em si, uma exigên- cia decorrente da determinabilidade dos direitos, mas sim da sua maior proximidade valorativa ao núcleo essencial da dignidade da pessoa humana” ( Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976 , 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2001, pp. 194 e 195). O Tribunal Constitucional tem mantido uma orientação próxima desta última tese, fazendo as- sentar o radical da diferenciação do regime competencial na regulação dos aspectos que contendem com o núcleoessencial dos «direitos análogos» , “ por aí se verificarem as mesmas razões de ordem material que justificam a actividade legislativa parlamentar no tocante aos direitos, liberdades e garantias” (formulação do Acórdão n.º 373/91, disponível em www.tribunalconstitucional.pt ) ou, de acordo com algumas concreti­ zações, na regulamentação de aspectos materiais que traduzem “uma garantia de defesa dos cidadãos peran- te o Estado que é a relação típica de incidência dos clássicos direitos, liberdades e garantias” (cfr. Acórdão n.º 78/86, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional , 7.º Vol., tomo II, p. 702) ou que se prendem com a “realização do Homem como pessoa” (cfr. Acórdão n.º 517/99, disponível em www.tribunalconstitucional.pt ). Tem-se por seguro que a opção do legislador quanto à conformação de um processo específico para a realização judicial dos direitos em causa no procedimento, quando emergentes das situações jurídicas refe- ridas, em alternativa à regra geral da autonomia completa do procedimento cautelar e da acção principal conexa, não cabe no âmbito competencial desses direitos que é abrangido pela reserva de competência, por não contender com o núcleo essencial do direito de acesso aos tribunais e ao processo equitativo. Como se disse no Acórdão n.º 447/93, disponível em www.tribunalconstitucional.pt , e cuja doutrina veio posteriormente a ser recuperada no Acórdão n.º 132/01, consultável no mesmo sítio, «(...) em matéria processual a lei fundamental só inclui na reserva relativa da Assembleia da República a legislação sobre pro- cesso criminal (...), bem como sobre “o regime geral dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respec- tivo processo” (...). A edição de disposições claramente adjectivas, como as referentes à admissibilidade de recursos jurisdicionais em processo civil, comum ou laboral, não cabe na reserva relativa de competência da Assembleia da República». O afirmado relativamente à admissibilidade dos recursos jurisdicionais em processo civil vale igual- mente para a instituição das formas de processo civil e para a definição da sua tramitação.

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