TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

364 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acresce que a interpretação em causa, na medida em que restringe os direitos (processuais) de uma das partes, viola igualmente o princípio da igualdade decorrente do artigo 13.°, n.º 2, do mesmo texto fundamental, na ver- tente da proibição de discriminação. Para além do vício da inconstitucionalidade material, a norma em causa é também organicamente inconstitu- cional. Na verdade e na medida em que a mesma contende com as garantias do processo civil (restringindo-as), cai no âmbito de reserva legislativa da Assembleia da República, nos termos do artigo 165.°, n.º 1, alínea b) , da CRP, sendo pois que e não tendo havido autorização legislativa para tanto, a iniciativa governamental é, por isso, incons- titucional por violação da reserva legislativa. Há, pois, que formular um juízo de desconformidade constitucional da norma, o que determina a sua não aplicação, por ilegal. IV. Em face “do exposto e com base na inconstitucionalidade da norma em causa (dispositivo do n.º 7 do artigo 21.°, em análise), indefere-se o requerido (a aplicação da mesma).” Notifique e registe.» 8.1 – Como se constata do relatado, a decisão recorrida considerou que a norma cuja aplicação recusou sofria de inconstitucionalidade orgânica, por, cabendo no âmbito de reserva legislativa da Assembleia da República, haver sido emitida a descoberto de autorização legislativa e violar, assim, o disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea b) , da CRP, bem como de inconstitucionalidade material, por atentar contra o princípio do acesso ao direito, na sua vertente do princípio do contraditório e do princípio da proporcionalidade (arti­ go 20.º, n. os 1 e 4, da CRP) e o princípio da igualdade decorrente do artigo 13.º, n.º 2, da Lei Fundamental. Vejamos, pois, começando pela imputada inconstitucionalidade orgânica. Como se vê da história do preceito feita na decisão recorrida, bem como da funcionalidade jurídica do instrumento processual que está em causa, também, aí recortada, cuja bondade não se afasta, a norma em crise institui, ao fim e ao cabo, um instrumento de conhecimento e de decisão, antecipados e definitivos, da relação material cujo bonus fumus juris suporta, no processo da providência cautelar, o decretamento da específica providência cautelar de entrega do bem locado, nos casos em que “findo o contrato [de locação financeira] por resolução ou pelo decurso do prazo sem ter sido exercido o direito de compra, o locatário não proceder à restituição do bem ao locador” e este haja [antes de requerer a providência] efectuado “pedido de cancelamento do registo da locação financeira, a efectuar por via electrónica, sempre que as condições técnicas o permitam”. Em termos simplificados, pode dizer-se que a norma permite que, uma vez apreciada a situação sob lití- gio, no processo cautelar, para o efeito do decretamento da providência específica de entrega do bem locado financeiramente ao seu locador, o tribunal possa conhecer, no mesmo processo, em termos definitivos dessa situação ou relação jurídico-material a que respeita a lide. Deste modo, a medida processual delineada pelo legislador tem, essencialmente, a natureza de um meio processual simplificado, da espécie cível, que está funcionalizado para o conhecimento e julgamento de um determinado tipo de relações jurídicas de direito privado emergentes de contrato: no caso, de relações rela- cionadas com a cessação do contrato de locação financeira por resolução ou por decurso do prazo sem ter sido exercido o direito de compra que constituía o título jurídico de detenção e fruição da coisa por banda do locatário, prendendo-se, deste modo, com a realização, em juízo, dos direitos de crédito emergentes do contrato de locação financeira e do direito de propriedade relativo à coisa locada financeiramente. O artigo 165.º, n.º 1, alínea b) , da Constituição estabelece que é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre os direitos, liberdades e garantias. Seguramente que esta norma competencial abarca a regulamentação de todos os direitos fundamentais enunciados no Título II da Parte I da Constituição. Mas tem-se suscitado dúvidas sobre se a reserva de com- petência legislativa abrange, nos mesmos termos, os direitos constitucionais de natureza análoga.

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