TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
363 ACÓRDÃO N.º 62/10 O direito de acesso aos tribunais é “o direito a ver solucionados os conflitos, segundo a lei, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e independência, e perante o qual as partes se encontrem em condições de plena igualdade no que diz respeito à defesa dos respectivos pontos de vista” (“neste sentido , Acórdão n.º 346/92, do Tribunal Constitucional, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional , 23.° Vol., pp. 451 e segs.”). E um tal direito de acesso aos tribunais é dominado por uma imanente ideia de igualdade, uma vez que o princípio da igualdade vincula todas as funções estaduais, a jurisdicional incluída (neste sentido, o Acórdão, n.° 147/92, do Tribunal Constitucional, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional , 21.° Vol., p. 623). A vinculação da jurisdição ao princípio da igualdade, a mais do que significar igualdade de acesso à via judi- ciária, significa igualdade perante os tribunais, de onde decorre que ‘as partes têm que dispor de idênticos meios processuais para litigar, de idênticos direitos processuais’. É o princípio da igualdade de armas ou da igualdade das partes no processo, que constitui uma das essentialia do direito a um processo equitativo (Acórdão n.º 223/95, publicado no Diário da República , II Série, de 27 de Junho de 1995). O processo civil tem estrutura dialéctica ou polémica, pois que assume a natureza de um debate ou discussão entre as partes. E estas – repete-se – devem ser tratadas com igualdade. Para além do princípio do dispositivo ou da livre iniciativa e do ditame da livre apreciação das provas pelo julgador, constituem, assim, traves mestras do processo o princípio do contraditório e o da igualdade das partes (igualdade de armas). O princípio do contraditório (audiatur et altera pars), enquanto princípio reitor do processo civil, exige que se dê a cada uma das partes a possibilidade de ‘deduzir as suas razões (de facto e de direito)’, de ‘oferecer as suas provas’, de ‘controlar as provas do adversário’ e de ‘discretear sobre o valor e resultados de umas e outras’ ( cfr. , neste sentido, Prof. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil , 1, Coimbra, edição de 1956, a p. 364). De facto, também o processo civil tem que ser, como se disse, um due process of law , um processo equitativo e leal. E isso exige, não apenas um juiz independente e imparcial – um juiz que, ao dizer o direito do caso, o faça mantendo- -se alheio, e acima, de influências exteriores, a nada mais obedecendo do que à lei e aos ditames da sua consciência – como também que as partes sejam colocadas ‘em perfeita paridade de condições, desfrutando, portanto, idênticas possibilidades de obter a justiça que lhes é devida’ (cfr., ainda, Prof. Manuel de Andrade, obra citada , a p. 365). Cada uma das partes há-de, pois, poder expor as suas razões perante o tribunal (princípio do contraditório). E deve poder fazê-lo em condições que a não desfavoreçam em confronto com a parte contrária (princípio da igualdade de armas). Ora, entende-se que a equidade exigível, na vertente da “igualdade de armas”, é claramente restringida quando, por imposição da norma em análise (n.º 7 do artigo 21.° na redacção do Decreto-Lei n.º 30/2008, de 20 de Fe- vereiro) e depois de decretada (em sede de índole meramente cautelar/provisória) a entrega de um bem (veículo automóvel, no caso), com base em alegado incumprimento contratual que determinou a resolução por comunicação de uma das partes outorgantes à outra, a parte (inadimplente) fica confinada a “ser ouvida”, sem mais, ou seja, sem possibilidade de exercício efectivo e pleno de contraditório, nomeadamente com apresentação de provas, no sentido de poder infirmar um dos pressupostos da ordenada entrega do bem locado – e que é a regularidade da declaração (unilateral) de resolução contratual. Ao permitir-se (e pretender-se) “um ‘juízo antecipado’ sobre a ‘causa principal’ e sendo que o objecto desta causa principal” por referência à necessária causa de pedir que pode sustentar o pedido de entrega, por efeito de resolução contratual por incumprimento, é muito mais lato/abrangente que o simples pedido/pretensão de entrega, está-se necessariamente a coarctar o direito de defesa do requerido. Ou seja, o conteúdo do direito de defesa do requerido em providência cautelar, quando coarctado desta forma, fica diminuído na sua vertente de exercício pleno do contraditório e da igualdade de armas. Conclui-se, pois que a norma em causa padece de vício de inconstitucionalidade material – por ofensa do princípio do acesso ao direito (na sua vertente de princípio do contraditório e princípio da proporcionalidade). “ Ou seja e concluindo, a interpretação normativa do segmento do dispositivo em causa (n.º 7 do artigo 21.°), na parte em que, com dispensa da acção de cariz definitivo, permite antecipar um juízo (de mérito definitivo) sobre a causa principal, não é compatível com nenhuma destas exigências de conformidade constitucional (vinculante): não se mostra necessária para os efeitos pretendidos.”
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