TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
362 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL III. A interpretação do normativo em causa, na vertente de que pela mera “audição das partes”, após ter sido decre tada, cautelarmente e com fim antecipatório, a entrega do bem/objecto locado, se pode antecipar o julgamento/decisão definitiva sobre a “causa”, com “antecipação do juízo sobre a causa”, afigura-se-me ilegítima, por violação dos princípios constitucionais que enformam o processo civil. O artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), estatui, sob o a epígrafe “acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva”, que “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direi- tos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos” (n.º 1). Por seu turno, o n.º 4, consagra que “Todos têm direito a que numa causa em que intervenham, seja objec to de decisão em prazo razoável mediante processo equitativo”. O direito fundamental ao “processo equitativo”, aliás, está igualmente consagrado da Declaração Universal dos Direitos do Homem, no seu artigo 10.º No que tange à componente do direito de acesso aos tribunais – ou de acesso à tutela jurisdicional – o Tribunal Constitucional tem entendido que o mesmo implica a garantia de uma eficaz e efectiva protecção jurisdicional, des- dobrada: no direito, para defesa de um direito ou interesse legítimo, de acesso a órgãos independentes e imparciais por quem goza estatutariamente de prerrogativas de inamovibilidade e irresponsabilidades quanto às suas decisões (neste sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, pp. 161 e segs.). Direito fundamental, o acesso aos tribunais para defesa de direitos e interesses legítimos há-de imperativamente ser facultado pelo legislador em termos que permitam uma “tutela efectiva desses direitos e interesses”. Mas dispõe o legislador de uma considerável margem de liberdade na regulação desse acesso. Liberdade que, no entanto, não pode configurar os meios utilizados para atingir o desiderato constitucional, de modo tal que o acesso se torne injustificada ou desnecessariamente complexo. O acesso ao direito e aos tribunais é também elemento integrante do princípio material da igualdade e do próprio princípio democrático, pois que este não pode deixar de exigir a democratização do direito. Para além do direito de acção, que se materializa através do processo, compreendem-se no direito de acesso aos tribunais, nomeadamente: (a) o direito a prazos razoáveis de acção ou de recurso; (b) o direito a uma decisão judicial “sem dilações indevidas” ; (c) o direito a um processo “justo” , baseado nos princípios da prioridade e da sumariedade no caso daqueles direitos cujo exercício pode ser aniquilado pela falta de medidas de defesa expeditas; (d) o direito a um “processo de execução” , ou seja, o direito a que, através do órgão jurisdicional se desenvolva e efective toda a actividade dirigida à execução da sentença proferida pelo tribunal. Há-de ainda assinalar-se como parte daquele “conteúdo conceitual ‘a proibição da indefesa’, que consiste na privação ou limitação do direito de defesa do particular perante os órgãos judiciais junto dos quais se discutem questões que lhes dizem respeito. A violação do direito à tutela judicial efectiva, sob o ponto de vista da limitação do direito de defesa, verificar-se-á sobretudo quando a não observância de normas processuais ou de princípios gerais de processo acarreta a impossibilidade de o particular exercer o seu direito de alegar, daí resultando prejuízos efectivos para os seus interesses” (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, Coimbra, 1993, pp. 163 e 164, e Fundamentos da Constituição, Coimbra, 1991, pp. 82 e 83). Entendimento similar tem vindo a ser definido pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, que tem caracterizado o direito de acesso aos tribunais como sendo entre o mais um direito a uma solução jurídica dos con- flitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com “observância de garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as ‘provas’ do adversário e discretear sobre o valor e resultado de umas e outras” ( cfr . os Acórdãos do Tribunal Constitucional n os . 404/87, 86/88 e 222/90, in Diário da República, II Série, de, respectivamente, 21 de Dezembro de 1987, 22de Agosto de 1988 e 17 de Setembro de 1990). Em todas estas decisões se concluiu que, à luz do sentido genérico atribuído ao direito fundamental de acesso aos tribunais, que leva implicada/implícita a proibição “da indefesa” .
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