TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

356 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ordinário não poderá suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos» [cfr., a este propósito, Acórdãos n.º 31/87, in Acórdãos do Tribunal Constitucional , 9.º Vol., p. 463, e n.º 340/90, id ., 17.º Vol., p. 349). Como a Lei Fundamental prevê expressamente os tribunais de recurso, pode concluir‑se que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática. Já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões [cfr. os citados Acórdãos n . os 31/87 e 65/88, e ainda n.º 178/88 ( Acórdãos do Tribunal Constitucional , 12.º Vol., p. 569); sobre o direito à tutela jurisdicional, ainda Acórdãos n.º 359/86 ( Acórdãos do Tribunal Constitucional , 8.º Vol., p. 605), n.º 24/88 ( Acórdãos do Tribunal Constitucional , 11.º Vol., p. 525) e n.º 450/89 ( Acórdãos do Tribunal Constitucional , 13.º Vol., p. 1307)]. O legislador ordinário terá, pois, de assegurar o recurso das decisões penais condenatórias e ainda, segun- do certo entendimento, de quaisquer decisões que tenham como efeito afectar direitos, liberdades e garantias constitucionalmente reconhecidos. Quanto aos restantes casos, goza de ampla margem de manobra na conforma- ção concreta do direito ao recurso, desde que não suprima em globo a faculdade de recorrer.” Não se vislumbra nenhuma razão para abandonar aqui a referida jurisprudência, mesmo que esteja em causa um alegado caso de oposição de julgados existente entre acórdãos proferidos pela Secção de Contencioso Administrativo e pela Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo. Mesmo na jurisdição administrativa e tributária, até por força de um argumento a fortiori, o direito de acesso aos tribunais e a garantia jurisdicional administrativa não vão além de um segundo grau de jurisdição, conforme já foi reconhecido pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 520/07 ( Diário da República , II Série, 5 de Dezem- bro de 2007). No caso concreto, a sociedade recorrente viu a sua pretensão de impugnação de liquidação tributária ser suces- sivamente apreciada e julgada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja e pela Secção de Contencioso Tribu- tário do Supremo Tribunal Administrativo. É assim possível concluir que o direito de acesso aos tribunais e o princípio da plenitude da garantia jurisdi- cional administrativa foram adequadamente assegurados pelo legislador ordinário e efectivamente gozados pela sociedade recorrente para defesa dos seus direitos.» Voltando ao caso em apreço, importa afirmar que não cabe ao Tribunal Constitucional determinar qual a interpretação mais adequada das normas ou interpretações normativas cuja inconstitucionalidade é susci- tada nos autos, cabendo-lhe apenas se a interpretação adoptada é contrária às normas e princípios ínsitos na Lei Fundamental. Dito isto, importa frisar que nada na interpretação normativa adoptada permite concluir pela viola- ção do direito de acesso à justiça. Conforme já supra demonstrado pela jurisprudência citada, não pode pretender-se retirar dos artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP, qualquer direito fundamental ao recurso para harmonização de jurisprudência, em sede de Direito Processual Administrativo ou Tributário. Mesmo em sede de processo penal, já foi por este Tribunal entendido que o legislador ordinário não se encon- tra constitucionalmente obrigado a prever um recurso para harmonização de jurisprudência que abranja todasas hipóteses possíveis de contradição de julgados proferidos por tribunais superiores (cfr. Acórdão n.º 247/97, já supra citado). Para além disso, conforme decorre do Acórdão n.º 520/07 (já supra citado), a ora recorrente apenas goza do direito a que a sua questão juridicamente controvertida seja apreciada por um tribunal imparcial e independente e, quando muito, que tal decisão seja reapreciada por um tribunal de segunda instância. Ora, nos autos recorridos, a questão controvertida já foi devidamente apreciada, não por um, mas por dois tribunais: o Tribunal Administrativo e Tributário de Viseu e o TCA Norte. Como tal, sendo certo que a interpretação normativa adoptada pelo tribunal recorrido quanto ao n.º 1 do artigo 152.º do CPTA não abarca todas as hipóteses possíveis de contradição entre acórdãos proferidos por tribunais superiores, não se justifica considerá-la como inconstitucional, por violação do direito de acesso à justiça (artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, ambos da CRP).

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=