TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

341 meios electrónicos na relação dos cidadãos com a Administração e, de outro lado, obstar a que a utilização desses meios tenha um qualquer efeito prático, mormente por via da imposição da prática dos actos procedi- mentais dentro do período de funcionamento dos serviços. Colocada nestes termos, a questão de constitucionalidade, nos seus diversos desenvolvimentos, mostra-se ser improcedente. Com efeito, a possibilidade de transmissão de correspondência por via electrónica, incluindo a prática de actos no âmbito do procedimento administrativo, tem sobretudo em vista, numa perspectiva de moder- nização administrativa, como resulta do preâmbulo do diploma de 1999, garantir uma maior aproximação dos cidadãos à Administração e facilitar o acesso aos serviços, contribuindo para a desburocratização do funcionamento do aparelho administrativo. Essa possibilidade constitui, por si só, uma vantagem para os administrados, que ficam, desse modo, dispensados de utilizar os métodos tradicionais de apresentação e envio de requerimentos ou petições, e poderão fazer chegar o seu expediente ao destinatário de forma instantânea e expedita, mesmo fora do horário de abertura ou de encerramento dos serviços. A circunstância de o legislador não ter previsto para o procedimento administrativo a adaptação de um sistema idêntico ao do processo civil, para efeito de poder considerar-se como validamente praticado no dia da expedição o acto apresentado por correio electrónico após o encerramento dos serviços, representa uma mera opção legislativa que, em si, não é susceptível de violar o princípio da legalidade, tal como está consagrado nos artigos 3.º e 266.º da Constituição, ou o princípio da tutela jurisdicional efectiva, a que alude o artigo 268.º, n.º 4. De facto, a relevância atribuída à prática de actos procedimentais apresentados por correio electrónico, na interpretação normativa feita pelo tribunal recorrido, é uma das soluções legislativas possíveis, que igual- mente poderia ter sido adoptada para o processo civil, e que atende preferencialmente à igualdade substancial entre os sujeitos da relação jurídica administrativa quando utilizem diferentes meios de comunicação com a Administração. A escolha dessa solução não impediu o interessado de obter na jurisdição administrativa uma tutela adequada dos seus direitos ou interesses legítimos (mormente por via da prévia impugnação adminis- trativa necessária), quando é certo que nada obstava a que pudesse enviar a petição de recurso hierárquico por meio electrónico dentro do horário normal do serviço destinatário, para que o acto pudesse considerar-se, nos termos da lei, praticado dentro do prazo fixado para a sua interposição. A limitação dos efeitos do envio de requerimentos por via electrónica ao período de funcionamento dos serviços, quando o acto tenha sido praticado no último dia do prazo, é idêntica à estabelecida para outros meios de comunicação administrativa, incluindo o envio postal, e, nestes termos, não pode entender-se como constituindo uma condicionante ao exercício do direito ao recurso desprovida de fundamento racional ou de conteúdo útil. Não se vê, por outro lado – nem o recorrente explica -, em que termos é que a interpretação normativa em causa pode implicar uma violação ao princípio da legalidade, entendido este como um princípio de subordinação das autoridades públicas à lei em geral, sabendo-se que não deixaram de ser as referidas disposições dos artigos 77.º do CPA e 26.º do Decreto-Lei n.º 135/99, enquanto preceitos integrantes da ordem jurídica, que, no caso, serviram como fundamento e pressuposto da actuação administrativa. A argumentação do recorrente parece, todavia, ter tido essencialmente em vista a violação do princípio da protecção da confiança, como vertente do princípio da segurança jurídica ínsito no artigo 2.º da Constituição, que resultaria do facto de o Estado ter implementado um sistema de comunicação dos cidadãos com a Administração por via electrónica, sem concomitantemente adaptar o regime de recepção nos serviços administrativos à maior amplitude temporal com que o acto pode, por esse meio, ser praticado. O Tribunal Constitucional tem já afirmado o entendimento de que o princípio do Estado de direito democrático postula «uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas», conduzindo à consideração de que «a normação que, ACÓRDÃO N.º 48/10

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