TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
327 ACÓRDÃO N.º 46/10 Neste contexto cabe a cada um dos sujeitos processuais conjecturar, no momento em que toma a deci são de litigar, o valor a que pode ascender o montante das custas judiciais, para efeito de verificar se deve ou não formular um pedido de protecção jurídica, de molde a que não venha a ficar prejudicado no exer- cício do seu direito à justiça por insuficiência de meios económicos (neste sentido, o Acórdão n.º 248/94, referindo-se a um caso similar em que estava em causa a possível violação do princípio da segurança jurídica por parte de disposições legais que alteraram o regime de custas judiciais, agravando o encargo tributário das partes). No caso vertente, o valor da causa foi alterado oficiosamente pelo juiz, no decurso do processo, impli- cando um agravamento substancial do montante das custas devidas em caso de decaimento. A recorrente não foi notificada imeditamente do despacho que fixou definitivamente o valor da causa, mas teve dele conheci- mento através da ulterior notificação conjunta desse despacho e do que seguidamente ordenou a liquidação da taxa de justiça de acordo com o novo valor. E, além disso, teve uma intervenção subsequente no processo quando foi convocada para a tentativa de conciliação, em que se estabeleceu um acordo entre as partes quanto à resolução do litígio e a recorrente se obrigou ao pagamento dos encargos judiciais com o processo. É de presumir, em todo este condicionalismo, que a parte, usando da diligência processual devida, poderia ter ficado ciente, antes da tentativa de conciliação ou, pelo menos, no momento em que se realizou esse acto, de todas as incidências processuais, incluindo no tocante à obrigação de custas que resultava da atribuição de um novo valor à causa. Entendendo a alteração do valor da causa na pendência da acção, e a sua necessária repercussão no montante das custas judiciais devidas, como um facto superveniente enquadrável na previsão do artigo 18.º, n.º 2, da Lei n.º 34/2004, nada obstava a que a recorrente pudesse requerer o benefício do apoio judiciário antes da tentativa de conciliação, ou, pelo menos, antes do trânsito em julgado da decisão final do processo, de modo a que pudesse obter ainda um efeito útil em vista à obtenção de dispensa do pagamento de custas e demais encargos do processo que teriam resultado da prolação dessa decisão. Tendo a recorrente negligenciado essa possibilidade e tendo antes formulado o pedido de protecção jurídica apenas quando foi notificada da reforma da conta, num momento em que há muito tinha sido proferida a condenação definitiva em custas, não pode dizer-se, à luz da jurisprudência constitucional há pouco mencionada, que tenha ficado impossibilitada, em razão da sua insuficiência económica, de recorrer aos tribunais para fazer valer os seus direitos e interesses legítimos. Neste plano, a decisão recorrida, ao interpretar as referidas disposições legais no sentido de que o pedido de apoio judiciário, quando requerido já após a decisão final, não pode implicar um efeito retroactivo em relação à actividade processual já tributada, limita-se a sufragar o entendimento do Tribunal Constitucional pelo qual não há violação da garantia de acesso aos tribunais quando a parte tenha litigado no processo sem suscitar a existência de dificuldades económicas e tenha apenas requerido a protecção jurídica para se eximir ao pagamento de custas judiciais em que tenha sido condenada. 4. A questão que pode colocar-se, e vem também invocada no recurso, é a de saber se este julgamento mantém a mesma validade quando ocorra, por efeito do dito facto superveniente, um agravamento subs tancial do valor das custas com que a recorrente não pudesse razoavelmente contar, em termos de poder considerar-se verificada, no caso, a violação do princípio da segurança jurídica. O princípio da segurança jurídica surge como uma projecção do Estado de direito e é invocável, como critério jurídico-constitucional de aferição de uma certa interpretação normativa, a partir do próprio con- ceito de Estado de direito ínsito no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa. A garantia de segurança jurídica inerente ao Estado de direito corresponde, numa vertente subjectiva, a uma ideia de protecção da confiança dos particulares relativamente à continuidade da ordem jurídica. Nesse sentido, o princípio da segurança jurídica vale em todas as áreas da actuação estadual, traduzindo-se em exi gências que são dirigidas à Administração, ao poder judicial e ao legislador.
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