TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

323 ACÓRDÃO N.º 46/10 8. Acresce que, ao admitir o entendimento perfilhado pelo tribunal a quo fica esvaziada de sentido a concessão de apoio judiciário à recorrente, na medida em que, finda a causa há mais de dois anos e não havendo lugar a mais nenhuma fase processual subsequente, o pedido somente tinha como único propósito o provimento daquelas custas judiciais; 9. Além do mais, a interpretação feita pelo acórdão do STJ da norma do n.º 1 do artigo 20.º da Consti­ tuição da República Portuguesa (CRP) é manifestamente desprovida de razoabilidade, atenta a finalidade do apoio judiciário, que é o de evitar que os encargos judiciais sejam um sacrifício incomportável; 10. Pelo exposto, cumpre concluir que a interpretação demasiado restritiva defendida pelo STJ é violadora dos princípios constitucionais constantes dos artigos 2.º e 20.º da CRP, concretizados nos supra referidos artigos da Lei n.º 34/2004; 11. Apenas é conforme à Constituição uma interpretação das normas constantes da Lei n.º 34/2004, no sentido de considerar que o instituto de protecção jurídica também compreende a dispensa de taxas de justiça ou demais encargos ocorridos anteriormente à formulação do correspondente pedido de apoio judiciário; 12. Com efeito, só assim se cumpre o direito de acesso ao direito e aos tribunais, o qual deve ser entendido no sentido de aceder, estar, permanecer, litigar e sair do tribunal sem ter de suportar encargos que não se tem possibilidade de suportar; 13. De facto, uma outra leitura poderia inibir os particulares de acederem ao tribunal com receio do que lhes pudesse ocorrer no decurso do processo e, sobretudo, poderia implicar que quem não conseguisse suportar os encargos necessariamente decorrentes de um processo, os tivesse a final de pagar apenas por não ter antecipado a possibilidade de eles surgirem ou de se agravarem; 14. Aliás, uma outra interpretação poderia mesmo implicar uma inadmissível distinção entre os casos em que a situação de insuficiência económica é superveniente ou decorre, no decurso de processo, de um encargo excepcional,dos casos em que a situação de insuficiência económica já se verificava no início do processo ou, pelo menos, antes da primeira intervenção processual; 15. Refira-se que o Tribunal Constitucional, no seu recente Acórdão n.º 374/09, a propósito da nova redacção do artigo 18.º introduzida pela Lei n.º 47/2007, veio reconhecer que os encargos excepcionais ocorridos devem ser abrangidos pelo apoio judiciário (mesmo se solicitado após e por causa da ocorrência desse encargo excepcional), sendo inconstitucional uma interpretação normativa que negue essa possibilidade. O Ex. mo Representante do Ministério Público contra-alegou, concluindo do seguinte modo: 1. Tendo em conta os termos genéricos em que foi formulado o pedido de apoio judiciário, bem como a generalidade e ambiguidade da decisão que o concedeu, não se pode concluir que o mesmo tivesse sido concedido para dispensar o pagamento das custas anteriormente contadas, resultantes da própria causa que estava finda, por transacção homologada por sentença transitada em julgado. 2. Até porque ainda corria o agravo interposto da decisão que havia ordenado a reforma da conta, tramitação essa ainda não tributada. 3. Pelo que, tal decisão, não é susceptível de ter criado uma expectativa legítima à recorrente, de que estaria dispensada de efectuar o seu pagamento. 4. Consequentemente, a sindicada interpretação normativa efectuada pelo STJ, ao considerar que o apoio judiciário concedido à recorrente não a dispensa do pagamento dessas mesmas custas, não ofende, no caso concre- to, os princípios da confiança e da segurança jurídica, ínsitos no princípio do Estado de direito democrático consa- grado no artigo 2.º da CRP, sendo certo que não foi posto em causa o seu direito de aceder aos tribunais e pleitear. 5. Assim e uma vez que a interpretação normativa efectuada pelo STJ não ofende os invocados princípios cons­ titucionalmente consagrados, somos de parecer que o recurso não merece provimento. Cumpre apreciar e decidir.

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