TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

316 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Como impressivamente se diz no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Abril de 2008, Proc. n.º 742, reflectindo sobre as consequências na ordem jurídica nacional da realidade normativa da União Euro­ peia tal como interpretada pelo Tribunal de Justiça (mais proximamente, pelos acórdãos de 30 de Junho de 2005 – caso Kandolin e de 19 de Março de 2007 – caso Elaine Farrell), “[e]stes arestos, sem porem em causa o edifício da responsabilidade civil, afastam, em alguma medida, a rigidez dos pilares de betão em que assenta a construção emergente das nossas normas internas, incorporando neles materiais mais maleáveis e mais modernos que sustentam um tecto bem mais abrangente. Assim, a culpa, como elemento em torno do qual gira a responsabilidade civil, foi afastada em ambos os casos, não relevando, nomeadamente no primeiro, a contribuição, bem culposa, do próprio passageiro/lesado. O risco de circulação do veículo – pelo menos como é entendido entre nós – não é referido como requisito, sendo certo que, por exemplo, o falado artigo 1.º da Terceira Directiva, de aplicação directa relativamente aos direitos dos particulares, alude apenas a danos pes- soais “resultantes da circulação de um veículo”. Tudo vai ficando obnubilado pela necessidade de protecção dos lesados face à enormidade da circulação de veículos. Vem-se passando, afinal, quanto a este tipo de acidentes, de um “as vítimas serão indemnizadas se…” para um “as vítimas serão indemnizadas, salvo se…”. Inserindo- -se este evoluir – cremos poder constatar – na própria evolução do modo de pensar consistente em, face a um acontecimento negativo, procurar o culpado, para outro, mais moderno e menos repressivo, de procurar antes a solução adequada”. 10. O artigo 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 522/85, ao excluir da garantia do seguro os danos decorrentes de lesões corporais sofridos pelo condutor do veículo seguro, parece estar em consonância com o disposto no artigo 8.º, n.º 1, do mesmo diploma, que estende a garantia do seguro à responsabilidade, entre outros, do condutor do veículo, e esta tem sido a razão apontada como justificação para tal exclusão. Argumenta-se que se trata de um seguro de responsabilidade e não de um seguro de danos, pelo que, sendo o condutor beneficiário da garantia do seguro para com terceiros lesados, não pode simultaneamente ser beneficiário de indemnização, isto é, terceiro, para efeitos de receber, ele próprio qualquer indemnização por eventuais danos sofridos em consequência do acidente (No sentido da exclusão do condutor do veículo causador do acidente da garantia do seguro, vide entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 8 de 6 de Abril de 2002, Proc. n.º 02A1760, de 16 de Janeiro de 2007 Proc. n.º 06A2892, de 8 de Janeiro de 2009, Proc. n.º 08B3722, e de 8 de Janeiro de 2009 Proc. n.º 08B3796, disponíveis em texto integral em: http://www.dgsi.pt/. Relativamente à obrigação de indemnização por lesões corporais dos passageiros trans- portados gratuitamente, ainda que parentes do tomador do seguro do veículo, pronunciaram-se os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 4 de Julho de 1990 ( Colectânea de Jurisprudência, 1990, 4.º, p. 241), e do Tribunal da Relação de Coimbra, de 5 de Maio de 1992 ( Colectânea de Jurisprudência, 1992, 3.º, p. 100). No sentido da abrangência pelo seguro obrigatório dos danos pessoais do próprio tomador do seguro e/ou proprietário do veículo, vejam-se Calvão da Silva, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ob. cit. , pp. 54, 61 e 63, e Moitinho de Almeida, Revista do Centro de Estudos Judiciários, ob. cit , p. 69, e o citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16 de Janeiro de 2007, Proc. n.º 06A2892). Será esta distinção, quanto ao âmbito da cobertura do seguro obrigatório dos danos decorrentes de lesões corporais em consequência de acidentes de circulação automóvel, entre o condutor e os outros pas- sageiros ou ocupantes do veículo violadora dos princípios constitucionais invocados? Designadamente, do princípio da igualdade, especialmente quando se adoptar a interpretação de que dessa mesma cobertura não estão excluídos os danos sofridos pelo proprietário ou tomador do seguro que não seja o condutor do veículo e que os danos sofridos pelo condutor (e só por ele) estão excluídos, mesmo nas situações em que a lesão resulta de acidente para cuja produção se não provou ter concorrido culpa sua? 11. A invocação de alguns dos princípios constitucionais referidos pelo recorrente para fundar a pre- tensão de inconstitucionalidade da interpretação normativa em causa é manifestamente descabida. Designa­ damente, não são directamente aplicáveis ao caso os artigos 24.º, n.º 1, e 25.º, n.º 1, que consagram a «inviolabilidade da vida humana» e da «integridade moral e física das pessoas» .

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