TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
313 ACÓRDÃO N.º 25/10 modo como os restantes tribunais aplicam o direito infraconstitucional; apenas lhes compete controlar o modo como eles aplicam (ou não) o direito constitucional.” E acrescentou-se: “Em matéria de fiscalização concreta da constitucionalidade – repita‑se – o dado normativo a ser submetido ao parâmetro constitucional chega já definido ao Tribunal Constitucional, não lhe cabendo pô-lo em causa.” A este Tribunal somente compete dizer se a norma, com o sentido adoptado pela decisão recorrida e identificada como objecto de recurso, padece da inconstitucionalidade que lhe foi imputada – ou, eventual- mente, de outra (cfr. artigo 79.º-C da LTC). Deste modo, a questão a apreciar no presente recurso consiste em saber se é ou não inconstitucional a norma do n.º 1 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro (na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 130/94, de 19 de Maio), enquanto exclui da garantia do seguro obrigatório os danos decorrentes de lesões corporais sofridos pelo condutor do veículo seguro. 6. Resulta da factualidade assente que o recorrente conduzia o veículo “FR”, propriedade de C. Lda., “a pedido, sob as ordens, orientação, autoridade e direcção da C.”, quando, no trajecto em Espanha, o veículo se despistou, em consequência do estado escorregadio do piso, por existência de óleo na estrada e queda das primeiras chuvas. Na Relação entendeu-se que os danos não patrimoniais sofridos pelo autor (condutor do veículo sinis- trado), decorrentes das lesões corporais sofridas no acidente, além de estarem contratualmente excluídos do seguro facultativo de acidentes pessoais celebrado entre a proprietária do veículo e a ré B., que era limitado aos danos da morte, invalidez permanente e despesas de tratamento do segurado, estavam também excluídos da garantia do seguro obrigatório, por não ser aplicável o contrato de seguro de responsabilidade civil auto móvel, em virtude de o artigo 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 522/85, excluir da garantia do seguro os danos decorrentes das lesões corporais sofridas pelo autor, por ser o condutor do veículo acidentado. Concluiu-se, assim, que pelos danos não cobertos pela apólice de seguro de acidentes pessoais responderia a proprietária do veículo, se o direito do autor em relação a ela não estivesse prescrito, como se decidiu que estava. O Supremo Tribunal de Justiça confirmou o entendimento da Relação, concluindo que o artigo 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 522/85, na redacção do Decreto-Lei n.º 130/94, de 19 de Maio, exclui da garantia do seguro obrigatório os danos decorrentes de lesões corporais sofridos pelo condutor do veículo, não tendo, consequentemente, o recorrente o direito a ser indemnizado por via desta garantia. 7. O princípio do Estado de direito, consagrado no artigo 2.º da Constituição, tem ínsito um princípio jurídico fundamental, historicamente objectivado e claramente enraizado na consciência jurídica geral, segundo o qual todo e qualquer autor de acto ilícito gerador de danos para terceiros se constitui na obrigação de ressarcir o prejuízo que causou (Maria Lúcia Amaral, Responsabilidade do Estado e Dever de Indemnizar do Legislador, pp. 442). E o lesado tem o direito correspondente, a exercer contra o autor do facto lesivo ou contra aquele a quem a responsabilidade seja juridicamente imputável. Porém, em muitos casos, como se frisou no Acórdão n.º 270/09, este direito à reparação dos danos depara-se com uma inultrapassável dificuldade de concretização prática: a inexistência de património do obrigado à reparação susceptível de execução. É, por isso, frequente que o legislador institua o dever de cobrircom um seguro de responsabilidade civil a obrigação de indemnizar que possa estar ligada ao exercício de determinadas actividades potencialmente geradoras de danos para terceiros de modo a que, verificado o evento que obriga à reparação, os lesados possam ter perante si uma entidade cuja solvabilidade esteja, em princípio, garantida (a seguradora) e não (ou não apenas) o lesante, cujos acasos de fortuna podem esvaziar de conteúdo prático o direito à indemnização. O seguro automóvel obrigatório é precisamente um destes institutos. As regras gerais da responsabi- lidade civil tornaram-se inidóneas para dar resposta, prática, equitativa e economicamente equilibrada, ao problema da reparação dos danos emergentes de acidentes de viação. Sendo a circulação rodoviária uma das actividades em cujo desenvolvimento mais frequentemente ocorrem acidentes susceptíveis de causar danos
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