TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

304 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL das suas escolhas não resulte o «sacrifício unilateral de nenhum dos valores em conflito, em benefício exclu- sivo de outro ou de outros» . Ao determinar que, no regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias de pequeno montante emergentes de contratos, os prazos se contassem de acordo com as regras fixadas pelo Código Civil «mas sem qualquer dilação» , o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 269/98 procurou ainda cumprir, em equilíbrio com o sistema geral que o legislador aqui havia instituído, finalidades de sim- plificação e celeridade processual que se entenderam ser justificadas face ao tipo de litigiosidade em causa. À luz do disposto pelo artigo 20.º da CRP, tais finalidades correspondem à prossecução de interesses e valores constitucionais que vinculam o legislador tanto quanto o vincula a obrigação de respeitar, na modelação das normas de processo, a “proibição da indefesa”. Este modo de prossecução de valores e interesses constitucionalmente relevantes não implicou o sacri­ fício unilateral do princípio do contraditório, particularmente nos casos em que ocorra citação em pessoa diversa do citando. Desde logo, porque a lei continua a assegurar que, naquelas situações em que seja com- provadamente difícil para o réu organizar a sua defesa no prazo peremptório para tal fixado, se prorrogue, por decisão do tribunal, o período de tempo concedido para a contestação (artigo 486.º, n.º 5, do CPC). É certo que a decisão recorrida entendeu não ser aplicável ao caso este último regime, de justo impedimento, fixado no n.º 5 do artigo 486.º do Código. Por outro lado, também é certo que não cabe ao Tribunal «rever» o modo pelo qual as instâncias interpretam e aplicam o direito ordinário. No entanto, e «para efeitos do juízo sobre a (in)constitucionalidade» da norma constante do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 269/98, é abso­ lutamente necessário ter em conta este «elemento fundamental do sistema» , independentemente do modo pelo qual ele foi, no caso concreto, entendido e aplicado: «a possibilidade de o juiz da causa vir a prorrogar o prazo da defesa, naqueles casos comprovados de impossibilidade da sua organização, plena e eficaz, no prazo peremptório fixado pela lei», funciona em si mesma – e para empregar expressão usada pela decisão recorrida – como uma “válvula de segurança” do sistema, no que diz respeito ao cumprimento das exigências decorrentes do princípio constitucional da “proibição da indefesa”. Não parece, por isso, que tenha havido qualquer «excesso» no modo pelo qual o legislador, no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 269/98, procurou articular os “valores” da celeridade processual e do princípio do contra- ditório. A medida que aí se fixou não se mostra nem inadequada, nem desnecessária, nem desproporcionada face aos fins de política legislativa que a orientaram, pelo que não implicou, efectivamente, o sacrifício uni- lateral do valor ínsito na “proibição da indefesa”, potencialmente conflituante com os valores da celeridade processual, da segurança e da paz jurídica. A solução que foi achada correspondeu antes a uma forma côngrua de fazer concordar praticamente os diferentes “interesses” em conflito, pelo que não merece, à luz das normas contidas no artigo 20.º da CRP, nenhuma censura constitucional. 8. Tal como não merece, a mesma solução, nenhuma censura constitucional face ao princípio consa- grado no artigo 13.º da CRP. OTribunal tem dito, em jurisprudência de tal modo constante que não vale a pena repetir aqui todos os lugares da sua afirmação (veja-se, entre muitos outros, o Acórdão n.º 232/03, disponível em www.tribunal­ constitucional.pt ) que o princípio da igualdade, enquanto parâmetro constitucional capaz de limitar as acções do legislador, tem uma tripla dimensão: a da proibição do arbítrio legislativo , a da «proibição de discrimi- nações negativas, não fundadas, entre as pessoas» e a eventual «imposição de discriminações positivas» . Não estando evidentemente em causa, no caso concreto, nem a segunda nem a terceira dimensões do princípio da igualdade (a diferença entre os regimes processuais comum e especial, quanto ao modo de contagem do prazo para a contestação do réu em caso de citação efectuada em pessoa terceira, não é seguramente algo que possa relevar do domínio da «discriminação» , que, podendo ser «negativa ou positiva» , tem sempre a sua sede última no n.º 2 do artigo 13.º), só cabe in casu averiguar se o legislador terá aqui instituído, no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 269/98, uma «diferença» de regimes – entre o processo comum e o processo especial para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos – que seja «arbitrária» , isto é, que não possa

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