TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
303 da cada um a não ser privado da possibilidade de defesa perante os órgãos judiciais na discussão de questões que lhe digam respeito. Integrando, assim, a “proibição da indefesa” o núcleo essencial do “processo devido em Direito”, consti- tucionalmente imposto, qualquer regime processual que o legislador ordinário venha a conformar – seja ele de natureza civil ou penal – estará desde logo vinculado a não obstaculizar, de forma desrazoável, o exercício do «direito de cada um a ser ouvido em juízo» . Neste contexto, assume particular relevância o modo pelo qual a lei ordinária conforma o regime das citações e das notificações. Tratando-se estes de actos processuais, praticados pelo tribunal, que visam (em geral) informar sobre o processo ou chamar alguém a juízo, é compreensível que o modo da sua regulação infraconstitucional se revista de alguma sensibilidade quanto ao cumprimento das garantias exigidas pelo princípio do processo equitativo. Sobretudo no caso da citação , que, conforme dispõe a primeira parte do n.º 1 do artigo 228.º do Código de Processo Civil, é desde logo “o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender.” A regula- ção, por lei ordinária, dos prazos que se concedem para que o réu responda ao convite à defesa, que deste modo lhe é feito, assume assim, inquestionavelmente, relevo jurídico‑constitucional, na exacta medida em que dela pode vir a depender «o modo concreto do exercício do direito» (fundamental) de cada um a ser ouvido em juízo. Tal relevo torna-se ainda mais acentuado naquelas situações – como a dos autos – em que a citação é efectuada em pessoa diversa do réu, nos termos do disposto pelo n.º 2 do artigo 236.º do CPC e pelo n.º 2 do artigo 240.º do mesmo Código. Como bem sublinha a decisão recorrida, nestas circunstâncias, às preo- cupações gerais que devem orientar qualquer regulação ordinária dos modos e do tempo da citação – garantir que ao réu seja facultada a plena compreensão das razões por que é chamado a juízo, de forma a possibilitar a organização eficaz e atempada da sua defesa – acrescem ainda “as cautelas necessárias para assegurar um adequado grau de certeza da efectiva recepção da citação pelo seu destinatário.” (fls. 183). É assim que se compreendem as exigências decorrentes do n.º 2 do artigo 236.º do CPC (e também do n.º 2 do seu artigo 240.º) quanto à «pessoa» a quem pode ser entregue a citação, quanto à sua necessária «identificação» (n.º 3 do artigo 236.º; n.º 2 do artigo 240.º) e quanto às advertências que lhe são feitas relativamente ao «dever de entrega pronta da citação ao seu destinatário» (n. os 1 e 4 do artigo 236.º; n.º 4 do artigo 240.º). É assim, também, que se compreende que, nos termos do n.º 1, alínea a), do artigo 252.º-A do CPC, “ao prazo de defesa do citando acresce uma dilação de cinco dias quando a citação tenha sido realizada em pessoa diversa do réu (…).” Entendeu a decisão recorrida que, ao excluir a aplicação deste prazo dilatório aos processos por ele regulados, o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 269/98 não cumpriu – em casos de citação em pessoa diversa do réu – os deveres jurídico-constitucionais que impendem sobre o legislador ordinário. Mas sem razão o fez. 7. Como já se viu, da estrutura complexa que detém «o princípio do processo equitativo», consagrado no artigo 20.º da CRP, decorrem, para o legislador ordinário, várias «obrigações» , para além daquela que se cifra em não lesar o princípio da “proibição da indefesa”. A lei de processo, nos termos da Constituição, não está só «obrigada» a garantir “um correcto funcionamento das regras do contraditório”, de modo a que “cada uma das partes [possa] deduzir as suas razões (…), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultado de umas e outras”. Para além disso, deve o legislador ordinário conformar o processo de modo tal que através dele se possa efectivamente exercer o «direito a uma solução jurídica dos conflitos» , obtida «em tempo razoável» e com as todas as garantias de imparcialidade e independência. Assim, entre os valores da “proibição da indefesa” e do contraditório e os princípios da celeridade proces- sual, da segurança e da paz jurídica existe à partida, e como se disse no Acórdão n.º 508/02, uma relação de equivalência constitucional: todos estes valores detêm igual relevância e todos eles são constitucionalmente protegidos. Ora, quando vinculado por vários valores constitucionais, díspares entre si pelo conteúdo mas iguais entre si pela relevância, deve o legislador optar por soluções de concordância prática, de tal modo que ACÓRDÃO N.º 20/10
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