TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

299 Afigura-se-nos, no entanto, que tal norma, na medida em que proíbe que o prazo de contestação só comece a contar depois de decorridos cinco dias após a entrega da carta de citação a terceira pessoa que não o citando, afronta as normas constitucionais, devendo ser recusada a sua aplicação, nos termos do artigo 204.º da Constituição. A Constituição da República estabelece no seu artigo 20.º, n.º 4, o direito ao processo equitativo, o qual só pode ser restringido com respeito pelos princípios da proporcionalidade (artigo 18.º) e da igualdade (artigo 13.º). O significado básico da exigência de um processo equitativo é o da conformação do processo de forma mate- rialmente adequada a uma tutela judicial efectiva, não só como um processo justo na sua conformação legislativa, mas também como um processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momen- tos processuais. Sendo um desses princípios o direito de defesa e o direito ao contraditório traduzido fundamental- mente na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e de direito, oferecer provas, controlar as provas da outra parte e pronunciar-se sobre o valor e resultado destas provas. O respeito pelo direito de defesa e ao contraditório implica uma particular relevância do acto de citação, na medida em que esta surge como um particular momento de efectivação de tal direito; na medida em que é com ela que, conforme refere o artigo 228.º do CPC, se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determi- nada acção e se chama ao processo para se defender. O acto de citação deve, pois, para respeito do direito de defesa e ao contraditório e garantia do processo equi- tativo, ser rodeado de especiais cautelas para assegurar a plena compreensão do seu objecto. (…) Pode dizer-se que tais cautelas foram tomadas no caso de entrega da carta de citação (citação) a terceira pessoa. Desde logo essa entrega só pode ser feita a um terceiro qualificado para a entrega da carta ao citando em face das circunstâncias do caso: pessoa que se encontre na residência ou local de trabalho do citando que declare encontrar- -se em condições de a entregar prontamente ao citando (artigo 236.º, n.º 2, do CPC) ou pessoa que esteja em melhores condições de a transmitir ao citando (artigo 240.º, n.º 2, do CPC). Tal pessoa é devidamente identificada (artigos 236.º, n.º 3, e 240.º, n.º 2, do CPC) e expressamente advertida do dever de entrega pronta e da responsabilidade adveniente do incumprimento desse dever (artigos 236.º, n. os 1 e 4, e 240.º, n.º 4, do CPC). E é remetida carta registada ao citando dando-lhe conta de que a citação foi entregue a terceira pessoa (artigo 241.º do CPC). Realizada em tais circunstâncias é sustentável um juízo de certeza jurídica de que a citação chega prontamente ao seu destinatário, cumprindo integral e plenamente as suas funções, no cumprimento da exigência de um proces- so equitativo, pelo que é lícito equiparar tal forma de citação à citação pessoal, tendo-se a mesma como efectuada na própria pessoa do citando (artigos 238.º, n.º 1, e 240.º, n.º 5, do CPC). Nessa equiparação falta, no entanto, um elemento essencial na caracterização do sistema legal de citação. Como se afirmou já, a exigência do processo equitativo impõe que o sistema de citação permita fixar segura e objectiva- mente o momento da citação, o que não ocorre na citação efectuada através de terceira pessoa. Podendo ter-se a citação como efectuada na própria pessoa do citando e presumindo que a carta (acto) é pron- tamente entregue (comunicado), fica sempre a incerteza quanto ao tempo dessa entrega (comunicação), sendo que a simples experiência comum de vida leva a vislumbrar diversificadas situações em que ocorre um lapso de tempo até à entrega (comunicação). Sendo manifesta a necessidade de tempo para entrega da carta ou comunicação do acto não seria conforme com as exigências do processo equitativo considerar-se a citação feita no momento da intervenção do terceiro (como literalmente se expressa o artigo 238.º, n.º 1, do CPC) onerando-se o citado com a obrigação de demonstrar o efectivo momento em que teve conhecimento de lhe ter sido instaurada uma acção. A fixação temporal do momento do chamamento não pode ficar dependente de contingências probatórias (em muitas circunstâncias difíceis de alcançar dado tratarem-se de actos de relacionamento privado) a cargo do citado, mas tem, antes, de resultar segura e objectivamente dos actos praticados no processo. A mesma experiência comum de vida que nos permite vislumbrar diversificadas situações em que ocorre um lapso de tempo até à entrega (comunicação) também nos permite vislumbrar um espaço de tempo dentro do ACÓRDÃO N.º 20/10

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