TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
294 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL projectada face ao discutido, mas de colocá-las em condições de influir no processo decisório, chamando-as a pronunciar-se sobre aspectos jurídicos anteriormente não debatidos e que não possam considerar-seabran- gidos pelo princípio da auto-responsabilidade processual no círculo da diligência razoavelmenteexigível, tomandocomo padrão de justa previsão e actuação um operador judiciário normalmente informado do estado da questão na doutrina e da jurisprudência. A esta luz, afigura-se incompatível com a garantia do processo equitativo o entendimento de que, posta em crise no processo a conformidade constitucional de uma dada norma, o tribunal fica ipso facto habilitado a poder decidir pela inconstitucionalidade com qualquer outro fundamento, sem necessidade de ouvir as partes. Aceita-se que, em geral, dentro do mesmo tipo de inconstitucionalidade, não afronta a garantia consti- tucional do processo equitativo que o tribunal convoque, para a decisão de desaplicação da mesma norma, parâmetros de constitucionalidade diversos daqueles que foram anteriormente analisados. O elemento da norma ou do acto normativo sobre que vai incidir o juízo de desvalia constitucional é o mesmo, pelo que, nessa hipótese, as exigências de praticabilidade e eficiência do funcionamento dos tribunais e de celeridade processual podem justificar que se imponha às partes o ónus de analisar espontaneamente as alternativas decisórias razoavelmente implicadas. Incidindo, porém, o vício novo , oficiosamente detectado, sobre um elemento da norma (ou do acto normativo) sobre que não tenha recaído ou devido recair a pronúncia das partes agindo com normal dili gência, não pode a decisão de inconstitucionalidade ser proferida sem a sua oportuna audição a convite do juiz. Será excessivo exigir à parte que proceda a um escrutínio da validade da norma sob todos os aspectos constitucionalmente relevantes e se defenda antecipadamente de vícios que possa conjecturar-se afectarem um elemento do acto normativo diverso daquele a cujas condições de validade respeitam as normas consti- tucionais invocadas. Saber o que é uma questão para efeitos processuais é problema que não pode abstrair da específica intencionalidade normativa, isto é, do fim e do contexto em que o conceito é utilizado. A suposta unidade da questão de constitucionalidade não é instrumento adequado para responder ao problema prático-jurídico que consiste em aferir se o processo é justo e leal e, para isso, de estabelecer o âmbito do dever de justa pre- visão das soluções possíveis a cargo das partes. Pode ser explicação consistente para a relação entre o ónus de suscitar a inconstitucionalidade durante o processo e o âmbito do recurso de constitucionalidade, porque aí é outro o contexto problemático em que o conceito releva. Trata-se de provocar o tribunal a exercer o seu poder/dever de não aplicar normas inconstitucionais, sendo desrazoável que, depois, o Tribunal Constitucio- nal viesse a ficar limitado, nos aspectos jurídico‑constitucionais, pelos termos da alegação perante o tribunal da causa. Mas isso não justifica, nas relações entre as partes e o tribunal, que aquelas devam suportar um ilimitado ónus de escrutínio ou antecipação de qualquer outro vício de inconstitucionalidade. Deste modo, entendo poder concluir-se que viola a garantia do processo equitativo consagrada no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição a interpretação do n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil no sentido de que as partes não tem de ser ouvidas antes de o tribunal julgar verificada a desconformidade de uma deter- minada norma com parâmetros constitucionais diferentes daqueles com que anteriormente se confrontaram e que conduza à procedência de um vício de inconstitucionalidade diverso daquele que resultaria das normas e princípios constitucionais sobre os quais se pronunciaram ou puderam pronunciar-se, isto é, que afecte um elemento da norma ou um requisito do acto normativo a que não respeitassem os parâmetros constitucionais sobre que recaiu o debate. 2. No caso, é indiscutível que a questão da inconstitucionalidade orgânica, de que resultou a procedên- cia do recurso e a declaração de nulidade do n.º 1 do artigo 52.º do CCT em causa, não foi suscitada pelas partes nem apreciada oficiosamente pelo tribunal de 1.ª instância. Tal questão foi levantada, apreciada e decidida pela primeira vez no acórdão que julgou a revista.
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