TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

292 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Em qualquer caso, não pode deixar de reconhecer-se que a regra decorrente do citado artigo 3.º, n.º 3, que integra um princípio de proibição da decisão surpresa, tem uma função essencialmente programática, conferindo ao juiz, fora dos casos em que a audição da contraparte esteja expressamente prevista, o dever de verificar, em função das circunstâncias do caso, a conveniência de as partes se pronunciarem sobre qualquer questão de direito ou de facto que possa ter relevo para a apreciação e resolução da causa (quanto ao carácter programático da imposição constante do artigo 3.º, n.º 3, 1.ª parte, do CPC, Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil , Lisboa, 1997, p. 48). Por outro lado, é preciso notar que o julgador mantém a sua liberdade de qualificação jurídica dos factos (artigo 664.º do CPC) e conserva os seus poderes de direcção do processo - aqui se incluindo o dever de prévia audição das partes sobre matéria tida como pertinente (artigo 265.º do CPC) -, pelo que só quando se conjecture uma nova questão de direito ou um diferente enquadramento jurídico com que as partes não pudessem razoavelmente contar é que poderia configurar-se com nitidez uma violação do princípio da proi- bição da decisão surpresa que pudesse ter relevância no plano jurídico-constitucional (sobre este aspecto, Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil , Coimbra, 1999, pp. 24-25). Tratando-se, além disso, de uma audição excepcional e complementar das partes, realizada fora dos mo- mentos processuais normalmente idóneos, e que decorre da aplicação de um princípio geral, cabe ao julgador verificar, em cada caso, a existência dos respectivos pressupostos processuais, mormente quanto à caracteriza- ção da questão como susceptível de se repercutir, de forma relevante e inovatória, no conteúdo da decisão. Em todo este condicionalismo, a entender-se que está ainda em causa, na aplicação da norma do artigo 3.º, n.º 3, do CPC, o princípio do processo equitativo, na vertente de garantia do contraditório, só nos casos em que o tribunal tivesse postergado claramente o critério legal, preterindo, sem justificação, o direito de audição quando este fosse evidentemente exigível, é que poderia considerar-se a interpretação normativa como afectada de inconstitucionalidade. No caso concreto, o tribunal recorrido justificou a não audição da contraparte com o argumento de que a questão suscitada pelo autor, nos termos em que foi apresentada, era susceptível de abarcar qualquer dos possíveis vícios de inconstitucionalidade, tornando desnecessário o convite à ré para exercer o contraditório, antes da prolação do acórdão, relativamente à solução jurídica que veio a ser adoptada. Deste modo, não omitiu a formalidade processual prevista no artigo 3.º, n.º 3, do CPC, mas antes afas- tou a necessidade do seu cumprimento por entender não estar em causa questão de direito que não pudesse ter sido oportunamente equacionada pelas partes. Não havendo entendimento pacífico quanto a saber se existe identidade de questão de direito quando se invocam em relação a uma mesma norma diferentes fundamentos de inconstitucionalidade, mesmo no âm- bito da jurisprudência constitucional (cfr. as posições divergentes nos Acórdãos n. os 424/07 e 564/07, e Isabel Alexandre, «A norma constitucional violada e o objecto do recurso de constitucionalidade», in Jurisprudência Constitucional, n.º 6, pp. 28 e segs.), a posição adoptada pelo tribunal recorrido, no caso vertente, apresenta- -se como das soluções plausíveis de direito, sendo certo que não cabe ao Tribunal Constitucional sobrepor o seu juízo ao do tribunal recorrido para efeito de verificar se ocorria uma situação processual que justificasse a audição da parte, em cumprimento do disposto no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil. Não há, por isso, motivo para censurar a decisão recorrida. III — Decisão Termos em que se decide negar provimento ao recurso. Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta. Lisboa, 13 de Janeiro de 2010. – Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral (com declaração) – Ana Maria Guerra Martin s (vencida, no essencial, nos termos da declaração do Ex. mo Senhor Conselheiro

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=